terça-feira, 25 de março de 2003

Iraque: a verdadeira opção

Quando a demagogia ou a ignorância se imiscuem no raciocínio, ou quando o fazem a ingenuidade ou a mera benevolência, as controvérsias afastam-se do essencial. Pior ainda, se nelas intervêm o medo ou a força indomável das convicções.

Mas a política deve basear-se mais no senso comum do que nos ideais, mais na prudência do que no optimismo. E decerto também mais na responsabilidade do que na convicção.

Acerca do que se passa no Iraque, muitos tentaram convencer-nos de que a opção era entre a guerra e a paz. Se assim fosse de facto, seria fácil decidir. No entanto, e com um grau de probabilidade que quase roça a evidência, não é essa a escolha que havia a fazer. Porque a verdadeira opção é entre uma guerra agora ou uma guerra mais tarde, com a importante diferença de que, quanto mais tarde fosse travada, mais perigosa seria – não só para os intervenientes directos, mas para uma boa parte do mundo que agora que se julga fora do conflito e à margem dele.

Há países islâmicos em que o fanatismo religioso chega ao ponto de se ensinar nas próprias escolas o ódio aos cristãos e ao Ocidente. Entremeada com os ensinamentos corânicos, dá-se instrução teórica e prática sobre tácticas de terrorismo, manejo de armas, fabrico de bombas artesanais e outras coisas do género. Incita-se abertamente à “guerra santa” contra os infiéis, quaisquer que sejam, mas sobretudo contra os das nações ocidentais, e usam-se todos os expedientes para mostrar como odiosos os respectivos costumes, crenças e supostas intenções. Prega-se o sacrifício pessoal e o martírio em prol do Islão e promete-se o paraíso como recompensa, onde oitenta e duas virgens esperam cada homem destemido que se faça explodir à bomba dentro de um autocarro ou de um mercado. E contam-se por não poucos dedos os países extremistas ou párias que fazem todos os esforços para conseguir bombas radioactivas, gases letais, armas bacteriológicas ou capacidade nuclear para fins militares.

Quem é o principal alvo adiado de tanto zelo empreendedor? O Ocidente, claro, contra o qual é dirigida uma propaganda hostil de cujas proporções este mal se apercebe. Apesar de tanta leitura de jornais, parece que também pouca gente repara em quantas células terroristas pró-islâmicas têm sido ultimamente descobertas e só parcialmente desmanteladas em quase uma dezena de países europeus. E poucos se atrevem sequer a fazer vaticínios sobre o grau de infiltração e as capacidades operacionais das que não foram ainda descobertas, mas que provavelmente existem. Uma coisa é certa: todas elas vêm para preparar ou fazer a guerra ao Ocidente, que aliás já começou há mais de um ano e meio. Uma guerra ao seu estilo, mas capaz de provocar horrores com poucos meios. E não tencionam circunscrevê-la só a duas ou três nações do Velho Continente: na óptica deles, é uma guerra total e por isso se infiltram em todo o lado. É conveniente perceber isso.

Na primeira linha de fogo está o “grande Satã”, ou seja, a América traduzida na linguagem dos fanáticos. Mas todos os países ocidentais, incluindo os que hoje julgam poder continuar relativamente seguros se não agitarem muito as águas, viriam a seguir. Também são “infiéis”, também têm costumes perversos, também violam o Corão: são “pequenos satãs” relegados para a segunda linha de fogo. Para os fundamentalistas, a diferença é exígua, apenas uma questão de tamanho e liderança. Por isso é melhor nem imaginarmos o que nos estaria reservado, se a América não tratasse capazmente dos seus assuntos e dos nossos.

Há mais de meio século que nós, europeus, lhe devemos a nossa liberdade, a nossa segurança e a nossa prosperidade. Mas durante quase todo esse tempo, temo-nos esforçado com afinco para vilipendiar a América, como se lhe devêssemos também os nossos problemas e os nossos erros. Como sofisticado remate desta pretensão, dois dos grandes países europeus que mais lhe devem aquilo que hoje são, a França e a Alemanha, enveredam sem escrúpulo nem disfarce pela mais estranha forma de gratidão que poderiam demonstrar: a traição ao aliado americano, quando é no imediato a segurança deste que mais está em causa. E não satisfeita em desertar das fileiras, tentando pôr o coiro a salvo, a França faz o gosto ao dedo e tenta organizar uma frente antiamericana, pondo em acção todo o seu aparelho diplomático e as velhas influências coloniais. É a “alta política” na sua expressão mais reles.

Mais uma vez, a América agiganta-se e resolve os problemas quase sozinha, se necessário; a “velha Europa” acobarda-se e abriga-se atrás da nação que lidera e preserva o mundo livre.

Pela minha parte, já vi mais do que o necessário: se tiver de escolher entre uma Europa liderada pela América ou por um arrogante e fátuo directório franco-germânico, escolho a primeira alternativa sem hesitar um segundo.

A minha opção está feita.