domingo, 1 de maio de 2005

Uma má proposta

De há meses para cá, pela boca de alguns dirigentes partidários, tem vindo a ser defendida a alteração do regime de eleição do Presidente da República, substituindo os actuais dois mandatos consecutivos possíveis de quatro anos por um único mandato de sete anos. A ideia foi até motivo de campanha entre candidatos à liderança de dois partidos e a imprensa deu-lhe natural ressonância, tal como a televisão. O alarido que se gerou não foi muito, mas ainda assim foi demais.

Parece-me que este é o género de ideias insensatas e inconsequentes que tende a surgir quando uma democracia atravessa uma crise de valores e de projectos. E pertence ao tipo de coisas que se propõe quando não ocorre nada de mais importante e consistente para defender.

Não é difícil, de resto, mostrar que se trata de uma má proposta. O seu único fundamento palpável consistiu no argumento de que a reeleição estaria sempre assegurada, devido ao prestígio mediático acumulado durante o primeiro mandato, o que tornaria a própria reeleição um mero plebiscito. A experiência democrática portuguesa é demasiado jovem e curta para nos proporcionar factos em contrário; mas analisando a história política norte-americana, por exemplo, que tem uma trajectória bem mais longa em matéria de eleições democráticas, já encontramos suficientes exemplos de que as coisas não são bem assim. Na sociedade mais mediatizada do mundo, vários presidentes não conseguiram conquistar o seu segundo mandato. E até a história turbulenta da nossa Iª República, pesem embora as enormes diferenças de época e de ambiente, nos fornece alguns exemplos adicionais.

As vantagens dos dois mandatos consecutivos são óbvias para qualquer pessoa de bom senso: se a maioria do eleitorado está convencida de que elegeu um bom Presidente, ou pelo menos um que lhe parece ser melhor opção que os candidatos rivais, pode reelegê-lo e mantê-lo no seu posto; se estiver decepcionada com a sua actuação, pode descartar-se dele. Na melhor das hipóteses, pode-se conservar durante oito anos um Presidente que seja apreciado; na pior, não teremos de aturá-lo por mais de quatro. Por acréscimo, um Presidente que queira assegurar a sua reeleição deverá abster-se de decisões arbitrárias e parcialidades que lhe minem o prestígio, já que a sua actuação durante o primeiro mandato irá ser julgada pelos votos.

No novo sistema que se defende, as desvantagens são também óbvias: ainda que o Presidente seja considerado pela maioria um bom titular do cargo, só poderá mantê-lo por sete anos, em vez de oito; e se for maioritariamente considerado um mau Presidente, o eleitorado terá de suportá-lo durante sete anos, em vez de quatro. Neste último caso, em vez de ser julgado pelos votos a meio do seu desempenho, será julgado apenas por sondagens imprecisas e inconsequentes.

Onde estão afinal as vantagens da mudança?