quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Sobre o ensino da filosofia nas escolas - II

Nesta recente polémica, suscitada pelas informações ainda não confirmadas de que a filosofia, no ensino secundário, passará a ser disciplina optativa e dispensada de exame final, mesmo para efeitos de ingresso em cursos universitários das áreas de ciências humanas, a resistência à mudança promete ser acalorada.

No entanto, vários argumentos aduzidos por uma certa lógica corporativa das coisas soam irremediavelmente a falso. Embora os professores em geral reconheçam a importância genérica da disciplina, ou mesmo enfatizem a sua indispensabilidade para certas áreas de estudos, será razoável dizer-se que a filosofia, tal como é tradicionalmente acolhida nos currículos e ensinada nas escolas secundárias, fica muito aquém das expectativas que lhe são atribuídas e não cumpre satisfatoriamente a sua vocação pedagógica, porque os seus conteúdos são, em larga medida, obsoletos.

Não é convincente dizer-se que ajuda a pensar ou que permite a formação de uma visão do mundo, pois nem os temas abordados nem os métodos mais adoptados contribuem verdadeiramente para isso, a não ser por mérito próprio de docentes talentosos. Que ajuda a fazer análises e sínteses, isso aceita-se, mas não é privilégio nem exclusivo seu. Que seja uma ginástica intelectual, é façanha que pode partilhar com outras disciplinas do currículo. Nada disso, portanto, a torna indispensável.

Mas não é menos verdade dizer-se que, se a filosofia escolar sofresse a profunda reforma de que necessita há décadas, ela se tornaria uma disciplina dificilmente prescindível e, muito provavelmente, merecedora da obrigatoriedade que muitos docentes desejam ver mantida a todo o custo. Há razões de muitas espécies, desde pedagógicas a epistemológicas, que poderiam recomendar ou justificar essa pretensão, ainda que tal se afigure missão impossível no actual estado de coisas. E uma delas, importante entre todas, é que, como salientou António Damásio numa recente entrevista, o ensino das ciências não forma cidadãos. E podemos acrescentar: nem o das línguas. E certas modernices curriculares, pelos vistos, também não. E a educação tecnológica ou as aplicações informáticas, ainda menos.

Porém, seria extremamente simplista pensar que a justificação do ensino da filosofia no secundário é meramente cívica. Não é. Há várias outras. Os pedagogos conhecem-nas de sobra.

Mas seria já exagerado que a filosofia não aceitasse partilhar a sua vocação pedagógica e cívica com outras disciplinas afins. A meu ver, justifica-se plenamente a inclusão no secundário de uma trilogia obrigatória para todos: psicologia, filosofia e economia. Um ano para cada uma, nesta mesma sequência. Com conteúdos actualizados e pragmáticos, conceitos claros, visão abrangente e pluralismo teórico. O que implica também uma iniciação intencional às polémicas em vigor nos respectivos domínios. Isso sim, ajudaria os jovens a pensar e a formar uma visão do mundo, além de proporcionar outros préstimos mais específicos.

Sobre o ensino da filosofia nas escolas – I

Têm corrido rumores insistentes sobre a iminente supressão do ensino da filosofia nas escolas secundárias ou, o que deve estar mais próximo da verdade, sobre a sua conversão em disciplina opcional. Ambos os rumores têm despertado críticas violentas, umas com razão, outras sem ela. Nesta matéria confrontam-se uma visão pragmática e uma visão pedagógica da educação. O primeiro contra-senso consiste em as duas visões aparecerem como antagónicas, quando deveriam ser complementares. A preparação para a vida activa e a formação intelectual dos jovens dificilmente poderão afirmar-se como objectivos contrários e inconciliáveis. Mas há sempre quem esteja disposto a dar a vida pelos extremos.

O que nos pode dizer o simples bom-senso? Que a filosofia escolar seja inútil ou não, isso depende muito do modo como seja ensinada.

Os programas actualmente em vigor são tão mal estruturados e alguns dos seus temas tão obsoletos que, diga-se em abono da verdade, tornam a disciplina quase inútil. A honra do convento é apenas a custo salva pelo talento didáctico de muitos professores e pelas suas hábeis e bem-intencionadas fugas à secura estéril das matérias programáticas. Em seu auxílio vêm também os autores de alguns manuais que se destacam um pouco acima da esmagadora maioria dos sofríveis ou simplesmente medíocres, já que tradicionalmente têm sido mais os manuais do que os ditames da tutela a dar corpo e sentido às rubricas que são impostas aos docentes para leccionar, alinhavadas em palavreado muito genérico pelo "eduquês" do costume. Lendo simplesmente as orientações programáticas oficiais, ninguém saberia muito ao certo o que ensinar, nem como, nem para quê. Assim, dada a quase clandestinidade reinante na prática lectiva, salvam-se pelo menos o quê e o como.

Resta o para quê. Não é fácil convencer alguém de que seja muito relevante obrigar adolescentes a estudar a lógica aristotélica, a ler Platão e Kant, ou a memorizar umas quantas outras teorias que já não servem para nada, a não ser para serem ensinadas. Assim é fácil perder esta guerra de argumentações, pois o ensino tradicional da filosofia tem sido desde há décadas, na sua maior parte, uma dissecação intelectual de cadáveres. E isso nem sequer é filosofia, sublinhe-se.

Por outro lado, se lhe fosse atribuída a sua verdadeira vocação pedagógica, que é a de iniciar e imiscuir os espíritos nos grandes debates intelectuais do seu tempo, de confrontar valores e teorias ainda conflituantes, de transmitir conceitos úteis ou necessários, de exercitar a capacidade analítica e a fundamentação de opções no interior de polémicas ainda vivas, de criar familiaridade com as tendências epistemológicas "de ponta" e as novíssimas teorias em confronto, de treinar a expressão e a defesa de ideias pessoais bem articuladas, então a filosofia poderia ser uma das mais relevantes disciplinas dos currículos.

Essa relevância talvez não venha tanto da sua pretensão a ensinar a pensar, como é hábito retórico dizer-se, pois isso devem todas as disciplinas fazê-lo, cada uma no seu pelouro. A maior ênfase deve pôr-se no facto de a filosofia abordar questões que são tendencialmente estruturantes de outras matérias e de fazê-lo com intenção diferente, mais crítica, menos centrada no recurso à memória e na simples assimilação dos assuntos. A verdadeira filosofia, hoje, é brainstorming puro, melhor e mais eficaz do que quantas "áreas de integração" ou "interdisciplinares" por aí se têm inventado.

Que para isso a filosofia necessite açambarcar três anos seguidos no currículo, já é discutível. Não só por questões etárias de maturidade, mas também porque outras disciplinas afins requerem idêntica atenção e são ainda menosprezadas no planeamento curricular.

Se deve ser obrigatória ou não, é outra questão. A mim, pessoalmente, não me repugnaria que o fosse, sob condição de os conteúdos da disciplina serem profundamente remodelados. Mas dadas as enormes resistências corporativas que a experiência tem demonstrado haver a tão grandes mudanças, talvez afinal não seja mau deixar que a obrigatoriedade da disciplina seja decidida, em função do que existe de facto, pelos encarregados de educação e pelos requisitos de admissão aos vários cursos das universidades.

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

A cultura da sebenta

Os estudantes universitários, nomeadamente os das áreas de ciências humanas, já quase não lêem ensaios. E quando digo "quase", não quero exprimir o facto de que lêem poucos, mas sim o de que a maior parte deles já não os lê de todo.

Os editores queixam-se com razão de que se tornou um risco comercial publicar o tipo de obras que lhes seja especialmente destinado, excepto tratando-se de manuais adoptados ou de uma ou outra obra sinóptica tornada de leitura obrigatória pelo docente que a escreveu. Torna‑se curial perguntar como se formam estas novas gerações de estudantes, se já não lêem sequer o que há de mais essencial nas respectivas especialidades académicas.

A resposta está no novo espírito mercantil das universidades. Desde que estas descobriram que a reprografia também é negócio, as fotocópias de excertos e a edição de sebentas tiveram um incremento notável. Pelo caminho, foram-se atropelando mais ou menos deliberadamente, mais ou menos discretamente, as normas legais de protecção dos direitos de autor, quase sempre na maior impunidade. E se a lei estabelece a proibição de reprodução integral não autorizada de qualquer obra, os interessados puderam relaxar no facto tranquilizador de que agora basta reproduzir partes ou capítulos.

Poderá dizer-se que esta situação consentida obedece a um inconfessado propósito de economia de custos? Propósito ilusório e perverso, esse, pois que, apesar de à partida deverem ter um vasto público universitário teoricamente garantido, na prática os ensaios não vendem. O que tem como resultado a elevação drástica do custo dos livros neste sector martirizado, devido à redução das tiragens e à subida em flecha dos custos unitários, assim como a retracção das editoras em lançar novos títulos no mercado, limitando a acessibilidade das obras em tradução portuguesa.

Estamos pois rendidos à cultura da sebenta. Eis uma situação a que o Ministério da Educação não tem estado atento, mas que, de qualquer modo, dificilmente poderia ser corrigida por uma qualquer directiva ministerial. Sempre dependerá essencialmente do brio pedagógico dos docentes universitários, bem como do grau de exigência intelectual que lhe é correlativo, tornar de leitura obrigatória incontornável as obras de referência das disciplinas que leccionam, assim como os ensaios mais polémicos que na respectiva área se vão publicando e que marcam, por assim dizer, uma faceta importante ou uma tendência básica dela, ou como se diria noutras especialidades mais técnicas, o "estado da arte" nessa área temática.

Mas o reverso do problema é que muitos docentes universitários perderam o direito moral a esse grau de exigência, ou nunca o adquiriram. Com a espantosa proliferação de cursos universitários não técnicos a que se assistiu no mercado da educação, tornou-se frequente a contratação de assistentes demasiado jovens e ainda insuficientemente preparados para as matérias que vão leccionar, não obstante os graus ou os títulos académicos que possam ter obtido. Por outro lado, devido a uma legislação demasiado permissiva que autoriza os professores séniores e mais credenciados a saltar constantemente de uma universidade para outra, numa ânsia incontrolada de acumulação de funções e de rendimentos, aqueles passaram, por falta de tempo, a fazer menos investigação pessoal do que era norma tácita noutros tempos, e muitos deles limitam-se a quase repetir de ano para ano a leccionação dos mesmos apontamentos e dos itens recorrentes que os compõem. À docência repetitiva e ancorada nestes apontamentos progressivamente estiolados e sem prazo de validade, corresponde a discência baseada na mera deglutição das sebentas.

O resultado final é uma certa degradação da preparação universitária nas diversas áreas das ciências humanas. A esmagadora maioria dos novos licenciados nelas nunca leu sequer as principais obras de referência das áreas em que se diplomaram. Nunca como hoje foram tão patentes a sua falta de cultura histórica, a sua deficiente preparação filosófica, a sua ausência de ecletismo na formação teórica especializada.

Será assim tão inevitável, como alguns dizem, que ao alargamento progressivo do acesso à universidade tenha de corresponder o abaixamento inexorável do seu nível?

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Dois pesos, duas medidas

Que uma certa tradição europeia de anti-semitismo continua viva e bem enraizada, isso tem-se notado a olhos vistos no decurso desta guerra que envolve Israel e o Hezbollah, perto da fronteira sul do Líbano.
Tem sido confrangedor notar as diferenças de tom e de linguagem, as subtis nuances e avaliações com que se descrevem as investidas e as perdas dos dois lados da contenda. Os repórteres, supostamente, deviam ser isentos na informação que difundem, mas muitos deles não resistem a infiltrar nas descrições e nos comentários o discreto partidarismo com que analisam os factos – e ele é, por via de regra, anti-israelita, o que é o mesmo que dizer, anti-judaico.
Eis aliás o que parece conferir às suas análises uma certa aura politicamente correcta, que neste conflito específico parece transcender em muito os tradicionais preconceitos de "esquerda", visto que ela alastrou também a outras tendências da comunicação social. Hoje, dir se ia que ser anti árabe não fica bem, seja em que circunstância for, e somos levados a pensar que ser neutral também não. Embora neste caso seja difícil ser neutral.
Dois pesos e duas medidas são utilizados a cada passo dos acontecimentos. Do lado israelita, registam-se mortos e feridos; do lado libanês, há vítimas inocentes. Os israelitas fazem pesados bombardeamentos, que provocam cenários de destruição dantesca; os seus inimigos apenas lançam mísseis, e não fazem mais do que ripostar. Os israelitas causam devastação, os guerrilheiros causam estragos.
Adianta mudar a perspectiva? Pois mudemos. Do lado libanês, as crianças são as principais vítimas; do lado israelita, não se faz muita questão de esmiuçar quem são, e parece que nunca são crianças. No sul do Líbano, há já cidades-fantasmas; no norte de Israel, a principal cidade industrial do país, Haifa, está quase paralisada e com duas mil fábricas encerradas, e várias outras localidades foram quase evacuadas, mas isso não parece causar tanta indignação. Israel está a ocupar de novo a parte meridional do Líbano, e isso é uma monstruosidade; os árabes querem de novo destruir Israel e eliminá-lo do mapa, mas paciência, já sabemos que assim é, não vale a pena fazer drama nem mencionar o assunto. O que se está a passar no Médio Oriente é uma vergonha, dizem-nos, porque o mais forte – Israel – faz o que quer; o mais fraco – o Hezbollah – não está a fazer o que quer, coitado, apenas está a resistir com bravura, e quase se conclui que o que faz é por consenso entre as partes...
Não há paciência. Quando a cegueira toma conta das análises e dos comentários, as pessoas comuns de vez em quando apercebem-se e viram as costas. Mas quando ela apenas fecha um olho e mantém o outro furtivamente aberto, parece que está só a proferir sentidas considerações morais e presta-se-lhes alguma atenção por isso, pois os efeitos da guerra sempre nos chocam e nos indignam. É uma propaganda insidiosa, esta.
Ora o rigor da informação consiste, entre outras coisas, em não fazer jogo sujo com os subtis cambiantes da linguagem, fazendo o odioso dos factos cair apenas sobre um dos lados. E quando o lado visado é precisamente aquele a quem se pretende negar o simples direito à existência, convenhamos que as considerações morais perdem logo a moralidade toda.
Às vezes, sinceramente, chega a parecer que muitos europeus ainda sonham com um Holocausto por procuração.

quarta-feira, 21 de junho de 2006

A teoria do lençol curto

Os sinais dos tempos são claros. Fala-se de crise em toda a Europa porque o crescimento económico é modesto e lento. Apesar de tudo, ele existe. E ao mesmo tempo, o desemprego cresce também. O que significa que um deixou de ser garantia e condição suficiente do outro.
A economia pode crescer devido a factores como mais tecnologia, maior produtividade, melhor gestão, sem que o emprego como um todo disso beneficie. Pelo contrário: esses factores que hoje contribuem para o crescimento económico têm a traiçoeira virtude de dispensar também algum emprego, por eles tornado desnecessário em consequência da modernização que acarretam.
Segundo as estatísticas, criam-se novos empregos, mas o desemprego sobe. A população nativa diminui, mas o desemprego aumenta. Pura e simplesmente, o efeito conjugado da criação de novos empregos e da diminuição da população nativa não chega para compensar a crescente procura de trabalho pelos desempregados remanescentes. Isso quer dizer qualquer coisa.
Por um lado, talvez esteja na altura de rever ou testar a simpática teoria de que os afluxos de imigrantes apenas vêm ocupar postos de trabalho desdenhados pelas populações do país anfitrião, seja ele Portugal ou outro qualquer do rol habitual. E é saudável que se note que a taxa de desemprego cresce também de modo significativo entre os próprios imigrantes, o que revela à saciedade que eles já são bastante excedentários para as reais ou supostas necessidades do país.
Por outro lado, a elevação drástica e inevitável da idade da aposentação, que daqui em diante não terá outro remédio senão andar indexada à esperança média de vida, não poderá ser encarada como uma panaceia para todos os problemas orçamentais da segurança social.
Porquê? Porque numa sociedade em que o desemprego cresce, o prolongamento da permanência dos mais idosos no mercado de trabalho cria a este problemas adicionais na absorção dos mais jovens, já que restringe a abertura de novas vagas destinadas à substituição dos trabalhadores que se aposentam. Como diria o senhor La Palisse, os que não saem não precisam de ser substituídos.
O que resulta daí, tal como um ex-ministro já fez lucidamente notar numa recente entrevista televisiva, é que a poupança que o Estado possa fazer em pensões de reforma arrisca-se a ser completamente absorvida pela vaga crescente de subsídios de desemprego, talvez em geral mais dispendiosos, sem benefício para ninguém. O fenómeno funciona como um lençol curto: tapa dum lado, destapa do outro. Mas impede a injecção de sangue novo na economia.
Talvez, por isso mesmo, seja um erro crasso dificultar tanto a reforma antecipada àqueles que a pretendam, aceitando o ónus de algumas penalizações razoáveis e justas, adequadas ao historial da sua carreira contributiva. Fazendo bem as contas, é perfeitamente possível proporcionar isso sem que o Estado perca. E ganhariam todos aqueles que, por esse facto, conseguissem arranjar emprego, tornando-se ipso facto novos contribuintes para a segurança social.
Vale a pena estudar bem a melhor posição para o lençol.

* A propósito das declarações de Bagão Félix no jornal da RTP-2 em 20/06/2006

quinta-feira, 15 de junho de 2006

Uma Visão da Europa II

A sociedade atlântica
O que o Atlântico dividiu, agora deve unir


Novo livro de Rui Valada:

ÍNDICE: 1. Os dois lados do Atlântico – 2. Poder e fraqueza – 3. Existe uma só ordem internacional? – 4. A Guerra Fria ainda não acabou – 5. A verdadeira face do choque de civilizações – 6. A cidadania múltipla e o contributo da educação – 7. Demografia, migrações e segurança – 8. O regresso a África – 9. O leque das vantagens competitivas

A Europa e a América foram durante muito tempo mundos desconhecidos e depois estranhos entre si; mais tarde, hostis; depois, aliados; e finalmente, rivais. Só agora se começa a perceber bem que são também mundos profundamente entrosados e interdependentes.
Acresce que o Ocidente, no seu sentido mais lato, está em dramática inferioridade demográfica. Representa, na mais simpática e abrangente das hipóteses, um quarto da população mundial. E esse quarto está ainda em fases muito diferenciadas de desenvolvimento, o que claramente prejudica a sua coesão.
Ao mesmo tempo, no imprevisível Oriente, os colossos asiáticos agigantam-se ainda mais e tendem a transbordar de pessoas, produtos, influências e interesses. Ou o Ocidente sabe o que quer e para onde vai ou acabará submerso na sua pequenez, vendo inevitavelmente deslocar-se para a Ásia os grandes focos de decisão, os grandes fluxos financeiros, as vantagens produtivas e o peso das variáveis estratégicas que mais afectam a economia e a segurança mundiais. Esta é claramente uma questão de visão a prazo, mas não tão longo quanto se possa desleixadamente supor.
Perante esta perspectiva, a Europa e a América têm que fortalecer os elos que ligam os povos, os valores, as instituições e os interesses vitais dos dois lados do Atlântico. Essa é uma das condições indispensáveis para dar mais «massa crítica» à noção de Ocidente.
Como designar este projecto ambicioso e incontornável?Chamemos-lhe «a sociedade atlântica».
Eis algumas das teses e propostas deste livro contundente, que rema com força contra o antiamericanismo em voga e desafia alguns dos dogmas intelectuais mais bem entrincheirados do nosso tempo, em diversos domínios da política e da cultura.

Graal Editores, 200 pp., 15,5 x 23 cm, ISBN: 972-8977-01-8, € 16,90

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sábado, 27 de maio de 2006

O perigo do retrocesso

Cada época alimenta os mitos que quer, as ilusões que precisa. E acalenta também os erros que constituem, um após outro, a moda bem-pensante das elites ou do vulgo.
Parecendo indiferentes às ilusões e às modas, os factos são o que são, mas na verdade deixam-se levar pela mão ou pela arreata, ora num sentido ora noutro. Não deixam de ser o que são, mas o seu rumo é-lhes imposto ou simplesmente consentido.
Hoje em dia acredita-se piamente que só há evolução social e material num sentido: o do progresso. E apesar de haver várias tendências que o puxam constantemente para direcções diversas e inconciliáveis, permanece a ideia algo confusa de que, quer a direcção seja uma ou outra, progresso sempre haverá.
Nada mais ilusório. Basta estudar a História para saber isso. As culturas podem retroceder ou sucumbir. Os valores e os costumes podem entrar em declínio. A prosperidade material pode decair. Até os impérios colapsam.
Mas hoje é politicamente incorrecto ensinar, por exemplo, que a civilização romana tenha sido destruída pelos bárbaros. Porque não há "bárbaros", há apenas povos com outros costumes, outras culturas; e, grosso modo, nenhuma civilização é superior às outras, sobretudo de um ponto de vista cívico e moral. Portanto, também não há "invasões bárbaras", há apenas movimentação de populações. E não há que comparar culturas, dizem-nos, porque as não há melhores nem piores, elas são apenas diferentes. Por isso temos que ser tolerantes, e pronto. Fim de conversa.
E se não for bem assim? E se algumas das sociedades avançadas de hoje estiverem a ser paulatinamente deglutidas por migrações "bárbaras" de povos subdesenvolvidos, que em vez de se integrarem nos padrões éticos e cívicos dominantes, dificilmente alcançados após um percurso de gerações ou séculos, apenas estejam a subvertê-los, a corroê-los e, nalguns casos, a erradicá-los? Que acontecerá enfim se as diferenças culturais não estiverem apenas a criar mais diversidade e colorido (mais cosmopolitismo, digamos) e sim a baixar a fasquia, os padrões, o nível dos valores aceites e dos costumes praticados?
Averiguemos pois, se queremos ser isentos. A delinquência e a criminalidade estão ou não a subir? E porquê? E por causa de quem? A confiança entre as pessoas está ou não a diminuir? E que razões há para isso? A insegurança geral é atribuída a quê? E a quem se aponta o dedo? Quais os aspectos em que o cidadão comum se queixa de que a sociedade andou para trás?
Se as conclusões de um tal inquérito, feito este com verdadeiro rigor e isenção, não forem exactamente aquelas que são dogmaticamente sustentadas, à revelia dos factos, pelas diversas modalidades intelectuais do "politicamente correcto", então acautelemo-nos: podemos estar à beira de um retrocesso cultural, talvez não no sentido intelectual do termo, mas sobretudo no sentido em que certos valores e padrões cívicos estão seriamente ameaçados.
Pergunta final: ainda há quem se preocupe com isso?

terça-feira, 14 de março de 2006

Tolerância e incompatibilidades culturais

Tanto nas discussões de café como nas querelas jornalísticas, tanto nos debates televisivos como nos anfiteatros universitários, é difícil fazer aceitar a ideia de que o respeito e a tolerância entre civilizações não implicam necessariamente a sua compatibilidade ou a sua coexistência pacífica.
A ideia que prevalece é a contrária: desde que duas perspectivas culturais diferentes se respeitem mutuamente, podem conviver entre si sem problemas.
O que, infelizmente, não é verdade em todos os casos. Porque algumas culturas são hipersensíveis às manifestações normais de outras, e portanto a sua proximidade gera tensões e atritos. Como agravante, o alcance intercontinental dos actuais meios de comunicação veio acrescentar uma nova dimensão ao problema: agora, mesmo as manifestações normais de uma cultura, nomeadamente ao exercerem o seu direito de crítica sobre as restantes, podem ser, mesmo a grande distância, fonte desses atritos e tensões. É o que vimos acontecer com o episódio extremamente revelador das caricaturas de Maomé publicadas na Dinamarca, que provocaram manifestações e motins em quase todo o mundo muçulmano.
Imaginemos que cada um de nós tem o maior respeito pelas diversas culturas islâmicas. Significa isso que não nos importamos de tê-las ao pé da nossa porta? Até ver, uma coisa não implica a outra. Significa que, mesmo a contragosto, nos devemos dispor a aceitar a sua vizinhança? Também não. Significa que, por recíproco respeito pelas nossas nuances culturais, os imigrantes vão querer praticar os nossos costumes e tradições em vez dos seus? Muito menos.
A atitude recíproca de respeito entre as diversas culturas, mesmo quando existe, não resolve as suas incompatibilidades. E não resolve, logo para começar, as insolúveis.
É possível, numa mesma sociedade, conseguir uma perfeita coexistência entre os nativos que defendem a absoluta igualdade de direitos das pessoas e os imigrantes que querem pôr em prática direitos diferentes conforme o sexo e a religião? Entre os que defendem o direito da mulher ao prazer sexual e os que praticam a mutilação genital feminina? Entre os que proíbem a justiça por suas próprias mãos e os que se sentem obrigados pela sua tradição a cometer os chamados "crimes de honra"? Entre os que há muito separaram a Igreja e o Estado e os que não conseguem conceber nem isso nem a política separada da religião? Entre os que se habituaram a viver no meio da diversidade confessional e do ateísmo e os que ainda estão predispostos a condenar à morte os hereges e os apóstatas? Entre os que aceitam sem violência que se possa caricaturar Deus e os que provocam motins por se caricaturar um profeta? Entre os que condenam a bigamia como crime e os que reivindicam a poligamia como um direito religioso? Entre os que acatam um horário de trabalho estandardizado e os que exigem cinco pausas diárias para a oração? Entre os que respeitam a plena liberdade das mulheres e os que pretendem mantê-las em situação de perpétua menoridade jurídica? Impossível. Não há nenhum sistema legal que possa acolher tão diferentes sistemas de valores e dar-lhes igual protecção jurídica e policial. Alguns valores são absolutamente incompatíveis.
Enquanto uma cultura imigrante tem uma expressão reduzida e vive acantonada em bairros étnicos, a coisa passa. Quando atinge uma expressão demográfica tal que já reivindica direitos de cidadania em moldes completamente diferentes dos que nós praticamos, a coisa muda de feição.
Cuidado, portanto. Os imigrantes problemáticos reproduzem-se a uma taxa muito superior à nossa e os ilegais continuam a entrar facilmente pelas nossas fronteiras escancaradas.

sábado, 4 de março de 2006

O direito à blasfémia

Pois, é isso mesmo. Não há como contornar o facto: a liberdade de expressão implica o direito à blasfémia.
O contrário significaria instituir um interdito, um tabu religioso. Mas que não faz nenhum sentido para os descrentes.
Questão de reciprocidade: se não se condena ninguém por expressar opiniões contra o ateísmo, ou por ridicularizar a descrença, como se pode condenar alguém por expressar opiniões contra a religião, ou por satirizar a crença? Logicamente, um tal raciocínio é tão válido quando se pensa numa crença em particular como na fé em geral.
Há quem defenda que "com o sagrado não se brinca". Talvez não. Mas com qual dos sagrados, o nosso ou os dos outros? Há tantos. Temos sempre que saber admitir que aquilo que nos parece sagrado não o é para toda a gente, nem tem de o ser. E os outros têm o direito inalienável de desdenhar as nossas crenças, assim como nós o temos de desdenhar as suas.
Para quem as professa, todas as superstições são sagradas ou tendem a sê-lo, independentemente de quais sejam. Respeitá-las a todas reduziria a muito pouco o direito de crítica e a liberdade intelectual.
Não considerar tal ou tal religião como uma superstição, por exemplo, não passa de uma opinião de crentes. Considerar o ateísmo como uma blasfémia, também. Tal como considerar a religião irrelevante não passa de uma opinião de ateus. E considerar que não há nada sagrado, também.
É precisamente a nossa permissão de brincar com o sagrado, qualquer que ele seja, que exprime o auge da liberdade de opinião em matéria religiosa. E as opiniões existem para se poderem exprimir.
Podemos é fazê-lo com mais ou menos bom senso. Temos de ter em consideração o grau de tolerância ou animosidade que as nossas opiniões podem despertar. Os seus efeitos, enfim.
Indubitavelmente, devemos respeitar as práticas religiosas sempre que elas não colidam com os direitos humanos. Uma das manifestações desse respeito consiste em não perturbar as crenças e práticas alheias no seu ambiente próprio, especialmente no ambiente que elas consideram sagrado.
Contudo, um jornal é um local profano. É um meio idóneo para publicar opiniões de todos os géneros e tendências, desde que não visem perturbar intencionalmente a ordem pública, pois esta é um bem ainda mais precioso que a liberdade de expressão.
Para podermos conciliar ambas as coisas, devemos recorrer ao bom senso. Sopesar as consequências do que dizemos, escrevemos e fazemos. Não vivemos num mundo inteiramente devotado à tolerância e à liberdade. Os fundamentalismos de opinião abundam e são todos potencialmente perigosos. Quando excessivamente estimulados, costumam conduzir à violência. Esse é o mundo profano em que vivemos.
No fim de contas, sendo o mundo como é, pode ser ainda mais perigoso brincar com o profano. Não vale a pena instigar ódios e violências só para exibir os nossos princípios. Basta que não renunciemos a eles, que saibamos defendê-los publicamente.
A prudência significa às vezes dar uma no cravo e outra na ferradura, por muito pouco coerente que isso pareça. Ou seja, neste caso: abstemo-nos de publicar mais caricaturas de Maomé, mas defendemos acerrimamente o nosso direito a publicá-las. Um pouco esquisito, não é? Mas pode ser esta a melhor maneira profana de lidar com o sagrado.

sexta-feira, 3 de março de 2006

Incentivos e sanções

Pode ser que os remédios propostos para apaziguar os tumultos e os demais desacatos dos imigrantes problemáticos, sejam eles muçulmanos ou outros, façam algum sentido para políticos e ideólogos, assim como para jornalistas e simples intelectuais. Para psicólogos ou economistas, habituados que estão a raciocinar em função de incentivos e sanções, não fazem sentido absolutamente nenhum.
De cada vez que eclodem os motins ou as pilhagens, as manifestações violentas ou os vandalismos, os governos e as câmaras municipais tentam acalmar os ânimos prometendo aos imigrantes mais benesses, mais subsídios, mais incentivos, mais facilidades legais, mais investimentos, desde bolsas e empregos para os jovens até investimentos avultados na formação profissional ou nos bairros degradados.
Quanto ao conteúdo das promessas, pode não haver nada contra a dizer. Quanto à oportunidade, dificilmente o timing poderia ser mais desastroso. Porque a mensagem que assim se transmite é bem clara: provoquem desacatos, pois é com eles que conseguem mais vantagens; provoquem destruição, pois prometer-vos-ão este mundo e o outro para acabar com ela. Por outras palavras: a violência compensa. E a evidência disso está no facto de ela ser imediatamente recompensada. Sem pensarem muito nisso, os poderes públicos distribuem assim incentivos à violência nesses períodos de crise.
O que deveriam fazer era distribuir sanções severas. A resposta adequada a tumultos, motins, destruições e pilhagens deveria ser, para além das medidas policiais apropriadas e imediatas, a expulsão sistemática dos arruaceiros e dos instigadores à violência, o cancelamento das autorizações de residência aos seus familiares em primeiro grau, o endurecimento dos critérios selectivos da imigração, a perda da nacionalidade adquirida para os que se mostrem indignos dela. É com sanções pesadas e dissuasoras, e não com recompensas demagógicas e contemporizadoras, que se apazigua a violência. Em caso algum se pode premiá-la com benesses, mostrando que com ela se conseguem resultados positivos.
E é nos períodos intermédios, ou seja, nos tempos relativamente pacíficos entre crises, que se devem pôr em prática com mais afinco as medidas sociais que conduzam a uma melhor integração dos imigrantes que querem realmente integrar-se nas nossas sociedades. Mas isto implica, para que não se delapidem recursos de forma contraproducente, perceber e detectar quais são os imigrantes que não pretendem de facto integrar-se, mas apenas parasitar as oportunidades oferecidas por uma sociedade mais próspera que aquela a que corresponde a sua origem étnica.
Sublinho: não podemos ajudar a integração dos imigrantes indesejáveis, devemos é descartar-nos deles. Ponto final.

sábado, 25 de fevereiro de 2006

A miragem da integração

Face aos tumultos e às violências de vários géneros e origens que muçulmanos fanáticos têm desencadeado, um pouco por toda a parte, contra interesses e embaixadas e símbolos ocidentais, por um motivo tão bizarro quanto o são umas meras caricaturas de um profeta, parece que algo de novo começa a surgir nas consciências europeias.
Em primeiro lugar, o medo de assumir os seus princípios básicos e comuns, por causa das retaliações islâmicas e dos motins de rua. Desde que eles começaram, não pouca gente apareceu entretanto disposta a sacrificar a liberdade de imprensa, o direito à crítica religiosa e à livre expressão de ideias anticonfessionais. Em suma: disposta a acolher um recuo intelectual e jurídico de três séculos, pelo menos, até ao período pré-iluminista. A Europa está visivelmente intimidada com a violência dos muçulmanos e isso não é bom sinal, nem para nós nem para eles.
Em segundo lugar, já se diz que estamos a assistir à queda do mito do multiculturalismo, que a Europa pós-politicamente correcta começa agora e ainda que a Europa perdeu definitivamente a inocência. Era bom que assim fosse…
Mas permito-me discordar. Os preconceitos não cedem assim tão facilmente. O mito do multiculturalismo sofreu agora um importante revés, mas ainda está para durar. O politicamente correcto, como todos os sistemas de tabus entrelaçados, vai aguentar de pedra e cal. E até a inocência europeia arranjará maneira de sobreviver a esta escandalosa violação dos seus princípios, nem que seja reconstruindo discretamente o hímen da sua hipocrisia.
A prova mais concludente está nas soluções para a crise que muitas mentalidades bem pensantes, desde políticos e sociólogos até jornalistas e pessoas comuns dotadas de opinião aparentemente própria, propõem de novo aos quatro ventos. E sem se darem conta, até algumas cabeças independentes se deixam resvalar para o mesmo atoleiro de conceitos, prognósticos e terapêuticas.
Diz-se, por exemplo, que fechar as fronteiras deixou há muito de ser uma solução e que a saída que nos resta é a plena integração dos imigrantes recalcitrantes, com tudo o que isso implica. E o que implica, logo se esclarece em ladainha ritual, é o acesso à educação e ao emprego em perfeita igualdade de circunstâncias, para que se sintam iguais socialmente e para que se lhes possa exigir, como dever de reciprocidade, o respeito pela lei das sociedades em que vivem (o que parece significar que, noutras circunstâncias, já não se lho pode exigir!). Outros opinam, mais afoitamente, que é preciso facilitar ainda mais as autorizações de residência e o acesso à nacionalidade. Ora tudo isto não é ainda tão deliciosamente multicultural?
O problema não está em facilitar ou subsidiar ainda mais a integração dos imigrantes problemáticos. O problema, entenda-se de uma vez por todas, está em que uma larga percentagem deles não quer de facto integrar-se, mas sim implantar ou infiltrar na nossa cultura os valores e os procedimentos da sua. Muitos deles querem usufruir dos benefícios económicos que a nossa maior prosperidade lhes possa proporcionar, mas não querem assimilar as nossas regras éticas e cívicas. Querem ter a oportunidade de ganhar mais dinheiro e de consumir mais, não querem aprender nem respeitar as nossas leis e costumes. Quando muito, pretendem integrar-se economicamente, mas não socialmente. Quanto a normas sociais, querem conservar as suas de origem; as nossas, contornam-nas como podem, infringem-nas quando lhes apraz.
E quem são essas comunidades de imigrantes maioritariamente refractárias à assimilação? Em Portugal, são as mesmas do costume. Os outros imigrantes integram-se sem problemas de maior, na sua maioria, desde que encontrem trabalho. Noutros países anfitriões europeus, as comunidades problemáticas são também as do costume. Mas, tal como aqui, é tabu dizê-lo em voz alta. Também não é indispensável nomeá-las: toda a gente sabe quais são.
Que fazer? Não adianta oferecer mais possibilidades de integração a quem assumidamente não quer integrar-se, mas hostilizar e fazer vergar a cultura anfitriã. O problema não é deles, porque sabem o que querem: prevalecer. E sabem que o podem conseguir cada vez mais pela via demográfica ou pela pressão demagógica, ou por ambas. O problema é nosso, que temos tanto medo de ser acusados de racismo ou xenofobia que já não somos capazes de excluir ninguém, nem sequer de falar nisso abertamente. Temos até pruridos em falar de uma imigração selectiva.
Infelizmente, a questão é mesmo essa: temos de começar a mandar embora os indivíduos indesejáveis e a impedir drasticamente a vinda de outros. E começar, sem apelo nem agravo, pelos que incitam à violência e à intolerância agressiva. De contrário, as coisas só vão piorar.
Pergunta final: quantas vezes precisaremos de ser violados cívica e culturalmente, nós europeus, para perdermos de vez a inocência?

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Uma Visão da Europa I

Em busca de uma identidade
Da Gronelândia ao Afeganistão, do Ártico ao Sara


Novo livro de Rui Valada:

ÍNDICE: 1. A questão das fronteiras – 2. Há uma matriz cultural europeia? – 3. Um pouco de retrospectiva – 4. O espírito europeu – 5. Unida pelo sonho, dividida pela História – 6. Um conceito operacional da Europa – 7. Duas visões institucionais – 8. Em prol de uma língua comum – 9. Os novos problemas

Este livro, talvez o mais surpreendente e controverso alguma vez escrito sobre a Europa, encosta à parede a maiorparte dos nossos lugares-comuns relacionados com o tema. Não só antecipa a inevitabilidade de um vasto alargamento europeu a sul e a leste, integrando a prazo todo o mundo muçulmano da orla mediterrânica, como coloca as fronteiras meridionais da Europa no Sara (e não no Mediterrâneo)e as suas fronteiras orientais para lá do Golfo Pérsico. De fora, fica a referência obrigatória a uma matriz cultural judaico-cristã.
Negando aliás a existência de uma verdadeira matriz cultural europeia, e por isso sublinhando a necessidade da sua criação artificial através da educação e da acção política concertada, defende ainda a urgência de instituir uma língua verdadeiramente comum, a aprender desde os bancos de escola a par da língua materna.
Em contrapartida, alerta contra os enormes perigos de um avanço institucional e territorial demasiado rápido, dos contrastes internos de riqueza, de uma política monetária demasiado restritiva e de um cosmopolitismo apenas ilusório; e critica a absoluta falta de visão dos dirigentes políticos que têm permitido uma imigração caótica e muito pouco selectiva, prestes a abrir fissuras irremediáveis no tecido social europeu.
Assumindo-se como profético, mas de um realismo impiedoso, este livro arrisca-se a relançar o debate europeu num novo patamar de análise e de controvérsia, agora que as instituições pareciam emperrar devido à emergência progressivamente mais descarada dos egoísmos nacionais.
Uma leitura recomendada para quem não queira ficar amarrado às perspectivas obsoletas de um ciclo político que está prestes a concluir-se.

Graal Editores, 176 pp., 15,5 x 23 cm, ISBN: 972-8977-00-X, € 16,10

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