terça-feira, 14 de março de 2006

Tolerância e incompatibilidades culturais

Tanto nas discussões de café como nas querelas jornalísticas, tanto nos debates televisivos como nos anfiteatros universitários, é difícil fazer aceitar a ideia de que o respeito e a tolerância entre civilizações não implicam necessariamente a sua compatibilidade ou a sua coexistência pacífica.
A ideia que prevalece é a contrária: desde que duas perspectivas culturais diferentes se respeitem mutuamente, podem conviver entre si sem problemas.
O que, infelizmente, não é verdade em todos os casos. Porque algumas culturas são hipersensíveis às manifestações normais de outras, e portanto a sua proximidade gera tensões e atritos. Como agravante, o alcance intercontinental dos actuais meios de comunicação veio acrescentar uma nova dimensão ao problema: agora, mesmo as manifestações normais de uma cultura, nomeadamente ao exercerem o seu direito de crítica sobre as restantes, podem ser, mesmo a grande distância, fonte desses atritos e tensões. É o que vimos acontecer com o episódio extremamente revelador das caricaturas de Maomé publicadas na Dinamarca, que provocaram manifestações e motins em quase todo o mundo muçulmano.
Imaginemos que cada um de nós tem o maior respeito pelas diversas culturas islâmicas. Significa isso que não nos importamos de tê-las ao pé da nossa porta? Até ver, uma coisa não implica a outra. Significa que, mesmo a contragosto, nos devemos dispor a aceitar a sua vizinhança? Também não. Significa que, por recíproco respeito pelas nossas nuances culturais, os imigrantes vão querer praticar os nossos costumes e tradições em vez dos seus? Muito menos.
A atitude recíproca de respeito entre as diversas culturas, mesmo quando existe, não resolve as suas incompatibilidades. E não resolve, logo para começar, as insolúveis.
É possível, numa mesma sociedade, conseguir uma perfeita coexistência entre os nativos que defendem a absoluta igualdade de direitos das pessoas e os imigrantes que querem pôr em prática direitos diferentes conforme o sexo e a religião? Entre os que defendem o direito da mulher ao prazer sexual e os que praticam a mutilação genital feminina? Entre os que proíbem a justiça por suas próprias mãos e os que se sentem obrigados pela sua tradição a cometer os chamados "crimes de honra"? Entre os que há muito separaram a Igreja e o Estado e os que não conseguem conceber nem isso nem a política separada da religião? Entre os que se habituaram a viver no meio da diversidade confessional e do ateísmo e os que ainda estão predispostos a condenar à morte os hereges e os apóstatas? Entre os que aceitam sem violência que se possa caricaturar Deus e os que provocam motins por se caricaturar um profeta? Entre os que condenam a bigamia como crime e os que reivindicam a poligamia como um direito religioso? Entre os que acatam um horário de trabalho estandardizado e os que exigem cinco pausas diárias para a oração? Entre os que respeitam a plena liberdade das mulheres e os que pretendem mantê-las em situação de perpétua menoridade jurídica? Impossível. Não há nenhum sistema legal que possa acolher tão diferentes sistemas de valores e dar-lhes igual protecção jurídica e policial. Alguns valores são absolutamente incompatíveis.
Enquanto uma cultura imigrante tem uma expressão reduzida e vive acantonada em bairros étnicos, a coisa passa. Quando atinge uma expressão demográfica tal que já reivindica direitos de cidadania em moldes completamente diferentes dos que nós praticamos, a coisa muda de feição.
Cuidado, portanto. Os imigrantes problemáticos reproduzem-se a uma taxa muito superior à nossa e os ilegais continuam a entrar facilmente pelas nossas fronteiras escancaradas.

sábado, 4 de março de 2006

O direito à blasfémia

Pois, é isso mesmo. Não há como contornar o facto: a liberdade de expressão implica o direito à blasfémia.
O contrário significaria instituir um interdito, um tabu religioso. Mas que não faz nenhum sentido para os descrentes.
Questão de reciprocidade: se não se condena ninguém por expressar opiniões contra o ateísmo, ou por ridicularizar a descrença, como se pode condenar alguém por expressar opiniões contra a religião, ou por satirizar a crença? Logicamente, um tal raciocínio é tão válido quando se pensa numa crença em particular como na fé em geral.
Há quem defenda que "com o sagrado não se brinca". Talvez não. Mas com qual dos sagrados, o nosso ou os dos outros? Há tantos. Temos sempre que saber admitir que aquilo que nos parece sagrado não o é para toda a gente, nem tem de o ser. E os outros têm o direito inalienável de desdenhar as nossas crenças, assim como nós o temos de desdenhar as suas.
Para quem as professa, todas as superstições são sagradas ou tendem a sê-lo, independentemente de quais sejam. Respeitá-las a todas reduziria a muito pouco o direito de crítica e a liberdade intelectual.
Não considerar tal ou tal religião como uma superstição, por exemplo, não passa de uma opinião de crentes. Considerar o ateísmo como uma blasfémia, também. Tal como considerar a religião irrelevante não passa de uma opinião de ateus. E considerar que não há nada sagrado, também.
É precisamente a nossa permissão de brincar com o sagrado, qualquer que ele seja, que exprime o auge da liberdade de opinião em matéria religiosa. E as opiniões existem para se poderem exprimir.
Podemos é fazê-lo com mais ou menos bom senso. Temos de ter em consideração o grau de tolerância ou animosidade que as nossas opiniões podem despertar. Os seus efeitos, enfim.
Indubitavelmente, devemos respeitar as práticas religiosas sempre que elas não colidam com os direitos humanos. Uma das manifestações desse respeito consiste em não perturbar as crenças e práticas alheias no seu ambiente próprio, especialmente no ambiente que elas consideram sagrado.
Contudo, um jornal é um local profano. É um meio idóneo para publicar opiniões de todos os géneros e tendências, desde que não visem perturbar intencionalmente a ordem pública, pois esta é um bem ainda mais precioso que a liberdade de expressão.
Para podermos conciliar ambas as coisas, devemos recorrer ao bom senso. Sopesar as consequências do que dizemos, escrevemos e fazemos. Não vivemos num mundo inteiramente devotado à tolerância e à liberdade. Os fundamentalismos de opinião abundam e são todos potencialmente perigosos. Quando excessivamente estimulados, costumam conduzir à violência. Esse é o mundo profano em que vivemos.
No fim de contas, sendo o mundo como é, pode ser ainda mais perigoso brincar com o profano. Não vale a pena instigar ódios e violências só para exibir os nossos princípios. Basta que não renunciemos a eles, que saibamos defendê-los publicamente.
A prudência significa às vezes dar uma no cravo e outra na ferradura, por muito pouco coerente que isso pareça. Ou seja, neste caso: abstemo-nos de publicar mais caricaturas de Maomé, mas defendemos acerrimamente o nosso direito a publicá-las. Um pouco esquisito, não é? Mas pode ser esta a melhor maneira profana de lidar com o sagrado.

sexta-feira, 3 de março de 2006

Incentivos e sanções

Pode ser que os remédios propostos para apaziguar os tumultos e os demais desacatos dos imigrantes problemáticos, sejam eles muçulmanos ou outros, façam algum sentido para políticos e ideólogos, assim como para jornalistas e simples intelectuais. Para psicólogos ou economistas, habituados que estão a raciocinar em função de incentivos e sanções, não fazem sentido absolutamente nenhum.
De cada vez que eclodem os motins ou as pilhagens, as manifestações violentas ou os vandalismos, os governos e as câmaras municipais tentam acalmar os ânimos prometendo aos imigrantes mais benesses, mais subsídios, mais incentivos, mais facilidades legais, mais investimentos, desde bolsas e empregos para os jovens até investimentos avultados na formação profissional ou nos bairros degradados.
Quanto ao conteúdo das promessas, pode não haver nada contra a dizer. Quanto à oportunidade, dificilmente o timing poderia ser mais desastroso. Porque a mensagem que assim se transmite é bem clara: provoquem desacatos, pois é com eles que conseguem mais vantagens; provoquem destruição, pois prometer-vos-ão este mundo e o outro para acabar com ela. Por outras palavras: a violência compensa. E a evidência disso está no facto de ela ser imediatamente recompensada. Sem pensarem muito nisso, os poderes públicos distribuem assim incentivos à violência nesses períodos de crise.
O que deveriam fazer era distribuir sanções severas. A resposta adequada a tumultos, motins, destruições e pilhagens deveria ser, para além das medidas policiais apropriadas e imediatas, a expulsão sistemática dos arruaceiros e dos instigadores à violência, o cancelamento das autorizações de residência aos seus familiares em primeiro grau, o endurecimento dos critérios selectivos da imigração, a perda da nacionalidade adquirida para os que se mostrem indignos dela. É com sanções pesadas e dissuasoras, e não com recompensas demagógicas e contemporizadoras, que se apazigua a violência. Em caso algum se pode premiá-la com benesses, mostrando que com ela se conseguem resultados positivos.
E é nos períodos intermédios, ou seja, nos tempos relativamente pacíficos entre crises, que se devem pôr em prática com mais afinco as medidas sociais que conduzam a uma melhor integração dos imigrantes que querem realmente integrar-se nas nossas sociedades. Mas isto implica, para que não se delapidem recursos de forma contraproducente, perceber e detectar quais são os imigrantes que não pretendem de facto integrar-se, mas apenas parasitar as oportunidades oferecidas por uma sociedade mais próspera que aquela a que corresponde a sua origem étnica.
Sublinho: não podemos ajudar a integração dos imigrantes indesejáveis, devemos é descartar-nos deles. Ponto final.