sábado, 20 de outubro de 2007

Peregrinação Sentimental

Poesia Lírica e Erótica

Novo livro de Rui Valada:

«Uma melopeia nova para um tema velho,
eis o que vos trago,
ó desorientados adoradores de mitos,
idólatras das aparências e das meias-tintas,
uma nova ânsia e um novo fôlego
vos dou de regalo à vista e aos ouvidos,
como uma bússola para o coração.
Quero que nestes versos pulse a ousadia dos
precursores
e acreditá-lo será deveras o primeiro passo
da vossa temerosa e dúbia iniciação,
(...)
Um incitamento à própria liberdade
encontrareis aqui, embora vos não pareça,
e à independência da mente e dos sentidos
será este cântico consagrado.»
(do Prólogo)

Graal Editores, 64 pp., 14 x 21 cm, ISBN: 978-972-8977-04-7, € 9,90

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Política e gestão pública

Um certo político francês, um dos mais massacrados de sempre pelo jornalismo inclinado ao "politicamente correcto", escreveu peremptoriamente que a ausência de escolhas claras é a pior inimiga da democracia. Talvez haja um certo exagero no carácter superlativo desta afirmação, mas não o havia ao acrescentar que a democracia enfraquece quando já não há diferença substancial entre a maioria e a oposição, quando a esquerda e a direita deixam de ser fiéis aos seus valores, quando mais ninguém tem a coragem de fazer a política para a qual foi eleito.
A tal ponto as coisas chegaram, com o progressivo esvaziamento das convicções teóricas e doutrinárias, que a maioria do eleitorado já não espera muito mais da alternância democrática do que a substituição periódica dos governantes, de uma pequena franja dos parlamentares e de uma miríade de assessores, funcionários e gestores que constitui a clientela política das lideranças, acompanhando-as tal como a cauda de um cometa acompanha a sua cabeça. Com a mudança de protagonistas já não se espera uma mudança significativa de políticas, como se a política em si se tivesse actualmente reduzido a uma gestão mais ou menos pragmática dos assuntos correntes do Estado e da economia. Pior do que isso, já quase se não distingue entre política propriamente dita e a mera gestão dos assuntos públicos.
Há três sintomas disso. Um deles está na frequência com que a oposição clama querer fazer algo melhor que o Governo, mas não diferente. Outro reside na tendência obsessiva com que a "direita" e a "esquerda" fingem renunciar a sê-lo e travestir-se num "centro" algo indefinido e indistinto. Outro ainda encontramo-lo no descaramento subtil com que os políticos eleitos fingem assumir uma postura de Estado, alegadamente séria e responsável, para não correrem os riscos de assumir até às últimas consequências os imprevisíveis resultados das reformas que atabalhoadamente preconizaram nos seus programas e nas suas campanhas.
Essas são, sem dúvida, algumas das causas da crise actual da política. Já ninguém parece saber muito bem para que ela serve, excepto para fazer batota em favor dos interesses e ambições pessoais dos próprios protagonistas. Como agravante, as organizações partidárias estão a tornar-se cada vez mais opacas, esotéricas, fechadas e centralizadas, diminuindo as possibilidades de participação dos cidadãos no debate e no combate políticos. Não é um rumo auspicioso.
Poucos compreendem realmente o alcance do facto de se ter entranhado tão facilmente na gíria quotidiana a expressão e a convicção de que "quanto mais as coisas mudam, mais tudo fica na mesma". Porque, no que toca à política, ela existe precisamente para que alguma coisa mude de facto. É a simples gestão das coisas públicas, com a qual ela tende cada vez mais a ser confundida, que se ocupa de que elas fiquem na mesma, limitando-se a tentar optimizar o seu actual desempenho.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Política de imigração

Como deveria ser evidente, a política de imigração não é somente a gestão dos fluxos migratórios. Nela se inclui também a política de integração.

Mas desfaçamos equívocos. Gerir os fluxos migratórios não se reduz ao esforço de controlar, contabilizar e regularizar os imigrantes que vão chegando ou ficando, mesmo acrescentando-lhe o esforço adicional de lutar contra a imigração clandestina. O país tem de escolher qual a imigração que lhe convém, seleccionar as suas origens e qualificações, fixar contingentes, regular a composição diversificada e influenciar a distribuição geográfica das correntes migratórias.

Contra o caos existente, não é solução aceitável optar por uma regularização global de todos os clandestinos. Não só isso constituiria um incitamento velado a uma massa crescente de aventureiros e desesperados predispostos a migrar ilegalmente, como significaria o Estado render-se a uma situação de facto e renunciar ao seu dever de selecção criteriosa. Esse tipo de falsa generosidade humanista, afectando ares de boa consciência, não é mais do que a máscara política da cobardia em enfrentar um problema que se deixou avolumar durante demasiados anos e alimentar-se da própria incúria. As regularizações são mais fáceis que as expulsões, sob todos os pontos de vista, daí que saiam agora da cartola como remédio de emergência.

Abrir as portas quase indiscriminadamente ao chamado "reagrupamento familiar" dos imigrantes é outra parvoíce. Significa acrescentar aos muitos indesejáveis que já cá estão um número ainda maior de indesejados, convidá-los a proliferar pelo afluxo e pela procriação #in loco#. Dificilmente se poderia inventar coisa melhor para agravar ainda mais aceleradamente os crescentes desequilíbrios demográficos. E o raciocínio vale, por maioria de razão, para os imigrantes que provêm de outras zonas linguísticas.

A política dura e selectiva que vai ser seguida em França, tradicional país anfitrião, deveria servir-nos de modelo. O Estado deveria fixar para cada ano o número e a composição étnica dos estrangeiros que o país esteja realmente em condições de acolher dignamente. Deveria condicionar a vinda dos imigrantes a uma garantia prévia de trabalho e alojamento, evitando a proliferação da delinquência e de bairros degradados nos subúrbios. Deveria proibir o regresso por um período muito alargado, ou até definitivamente, a todos os que sejam apanhados em situação ilegal, reconduzidos ao seu país ou condenados em processos criminais. Todos os candidatos a uma autorização de permanência ou residência deveriam vincular-se explicitamente e por escrito a respeitar as leis, os costumes, os símbolos e os valores constitucionais do país anfitrião. E todos os imigrantes já em situação regular e definitiva não deveriam ser autorizados a trazer a sua família mais chegada senão na medida em que demonstrem ter capacidade financeira para a sustentar e alojar decentemente e aquela, antes de penetrar no nosso território, faça prova de ter adquirido já uma capacidade pelo menos rudimentar de falar e escrever o português. Analogamente, a ninguém deveria ser permitido instalar-se duravelmente no país sem se dar ao esforço de dominar a língua, falada e escrita, ou sem se comprometer a isso num prazo definido.

Assim se defende a identidade nacional e se propicia a integração dos que a merecem. O resto é demagogia.

O IVA social

A nova coqueluche dos regimes fiscais na Europa, já experimentada com resultados encorajadores pelos alemães, é o chamado "IVA social". Basicamente, ele consiste no financiamento da protecção social através de um acréscimo do imposto indirecto sobre as transacções, libertando os assalariados e as empresas, no todo ou parte, do pesado encargo contributivo que hoje suportam.

O sistema parece funcionar tão bem que até o novo presidente francês fez dele um dos temas fortes da sua campanha eleitoral e do seu programa governativo, prometendo tentar aliciar os restantes parceiros europeus a aderir a ele.

As vantagens parecem evidentes. A abrangência do IVA é muito superior à das contribuições sociais, pois incide sobre todos os factores produtivos incorporados no preço de venda dos bens e serviços (e não apenas sobre trabalho prestado no próprio país) e sobre todas as transacções (independentemente do grau de incorporação do trabalho nacional nos bens e serviços transaccionados). Além disso, permite taxar as importações e exonerar as exportações, fazendo aquelas contribuir também para o sistema de segurança social e contrabalançando em parte os efeitos do dumping monetário, fiscal, ecológico e social praticado por muitos países emergentes (os quais conseguem manter preços mais baixos porque as respectivas empresas beneficiam de uma moeda artificialmente desvalorizada, pagam impostos ridículos, quase não têm de respeitar normas anti-poluição e não fazem descontos para um sistema de protecção social).

Na prática, diminuindo o custo do trabalho interno, o "IVA social" permite atenuar o impacto negativo da actual sobrevalorização do euro nas exportações e tem o mesmo efeito prático que uma desvalorização da moeda europeia. Claro que, ao taxar as importações, produz um aumento dos preços dos produtos importados, mas esse é também um dos efeitos pretendidos para proteger o emprego local. Se os produtos estrangeiros se tornam menos competitivos, os produtores e os trabalhadores nacionais beneficiam. Quanto aos produtos locais, é de esperar que o acréscimo da taxa do imposto seja compensado, no seu efeito sobre os preços finais, pelo decréscimo ou eliminação das contribuições directas para a segurança social que pesam sobre os salários e as entidades patronais. Espera-se até que seja mais do que compensado, visto que as importações passam a contribuir também para o mesmo fim e permitem um alívio adicional a empresas e assalariados.

O "IVA social" actua portanto como um doping sobre a competitividade nacional, de carácter não directamente proteccionista, e ao aligeirar a carga fixa que pesa sobre a remuneração do trabalho, permite também amortecer as flutuações do emprego quando a conjuntura se degrada. Em circunstâncias normais, constitui ainda um factor de maior competitividade para as empresas baseadas em trabalho intensivo.

À primeira vista, são só vantagens. Para nós, portugueses, que temos uma aptidão especial para criar más imitações de tudo o que se inova lá fora, o que se pode razoavelmente esperar é que algum governo habilidoso se aproveite da nova tendência para, a coberto dela, agravar ainda mais o peso global das contribuições e impostos.

O impacto das migrações

É conhecido o ditado segundo o qual cada um vê apenas o que quer ver. E a sabedoria popular, na sua eterna ânsia de generalizações, logo acrescenta que o que cada um quer ver é apenas o que lhe convém.

Nada me parece mais errado. Seria menosprezar o papel da ignorância, da superficialidade, das convicções grosseiras e apressadas que o senso comum é exímio em urdir. De facto, muitas das coisas que se pensam erradamente nada têm a ver com o interesse pessoal ou a parcialidade deliberada. Derivam, muito simplesmente, de uma óptica deficiente das coisas.

Não há grandes motivos para excluir em absoluto destas considerações o muito que se tem dito e escrito sobre as migrações. As fontes de erro, neste caso, continuam a ser essencialmente as do costume; as suas consequências, essas é que podem vir a ser muito piores em grau do que o habitual.

Muita gente bem-intencionada tem preferido ver nos fenómenos migratórios apenas deslocações massivas de populações fugindo à miséria, providenciais acréscimos de mão-de-obra e de vitalidade demográfica nos países anfitriões, miscigenação cosmopolita de culturas, et cetera. A outra face da mesma moeda consiste em desvalorizar o choque de civilizações, a explosão da criminalidade, o aumento notório da insegurança, a proliferação dos bairros suburbanos degradados, o recrudescer da conflitualidade civil. De um modo geral, recusa-se associar uma coisa à outra ou, em alternativa, condescende-se em aceitar que tais consequências indesejáveis não passam de um pequeno mal necessário e transitório que terá o seu fim com a fatal integração futura dos imigrantes. E como sustentáculo comum destas suposições, qual cereja em cima do bolo, encontramos o pressuposto dogmático de que as várias culturas são apenas diferentes, mas não incompatíveis.

Porque não é politicamente correcto, apesar de óbvio, torna-se hoje difícil sustentar que as migrações não são todas iguais, nem na sua composição nem nos seus efeitos. Porque o que isto quer realmente dizer não é tão-só que elas são diversas e contrastantes, mas que provêm de regiões com níveis de civilização distintos. E conforme estes sejam mais ou menos atrasados, sob múltiplos aspectos, varia enormemente o seu impacto.

Uma das consequências das migrações incontroladas tem sido o de infectar sociedades evoluídas com focos perigosos de retrocesso civilizacional. As sucessivas ondas de imigrantes não assimilam ávida e apressadamente os padrões culturais e cívicos dos países anfitriões; pelo contrário, destilam para eles, de um modo persistente e duradouro, as influências multifacetadas do seu atraso, num grau mais do que proporcional ao crescimento da sua expressão demográfica.

Quando chegam, os imigrantes não trazem apenas mão-de-obra e aumento populacional, trazem também mentalidades, preconceitos, atitudes, costumes, intolerâncias, violências e conflitos que as sociedades evoluídas nem sequer estão bem preparadas para enfrentar, porque lhes são culturalmente estranhos e institucionalmente desajustados. Esse é o perigo.

Incentivos fiscais ao crescimento familiar

Há várias causas culturais para a fraca taxa de natalidade que se constata na maioria dos países economicamente avançados.

Algumas são óbvias: a evolução do papel social da mulher, que resvalou demasiado para estilos e padrões de vida masculinizados ou egocêntricos; a actual dificuldade de compatibilizar maternidade e carreira profissional, devido à inadequação das regras laborais e aos apoios insuficientes; a maior precariedade dos vínculos afectivos e matrimoniais, agravada por uma legislação civil e por uma jurisprudência que favorecem a irresponsabilidade nas separações e nos divórcios; a menor motivação para as dificuldades e para as compensações emocionais geradas pelos filhos, agora em confronto directo com múltiplas outras possibilidades de vida que exigem disponibilidade pessoal e liberdade de movimentos; o estilhaçamento da tradicional família alargada, que reduziu ou inviabilizou a contribuição prática das gerações mais idosas para os cuidados aos netos; a proliferação da sexualidade livre, em si mesma avessa a vínculos, compromissos e responsabilidades; e enfim, uma concepção hedonística e voraz da vida para a qual as satisfações supremas são as do gozo imediato e as realizações de curto prazo.

Outras causas são frequentemente invocadas, mas quando analisadas à lupa parecem apenas desculpas piedosas. Uma delas é a carestia de vida e os excessivos encargos económicos com os filhos. Se pensarmos, porém, que as gerações actuais têm o mais elevado nível de rendimentos de sempre, bastante superior ao de gerações precedentes, e que a taxa de fertilidade caiu drasticamente apesar disso, a conversa rui pela base. A precariedade do emprego também não é justificação suficiente. Outras gerações a tiveram maior, quando em regra apenas um dos cônjuges gerava rendimentos e não havia o actual nível de protecção ao desemprego. Diz-se também que as exigências com as crianças são hoje muito maiores. É verdade, mas nem isso impede que se atinjam níveis recordes de gastos supérfluos ou perdulários com elas. Sejamos, no entanto, condescendentes e juntemos também estas ao rol das causas comuns alegadas para o afunilamento reprodutivo.

Mas acrescentemos de imediato que o Estado se dispensa de fazer a sua parte, no que respeita aos incentivos fiscais. Quando existem, são tão insignificantes que não chegam para inflectir tendências. Pequenos abonos de família, pequenas deduções à colecta significam pouco mais que nada. São úteis para quem tem filhos, mas não convencem ninguém a tê-los.

A única política fiscal digna desse nome, no plano dos incentivos ao crescimento familiar, seria introduzir um regime de capitação extensivo aos descendentes. Quando um casal declara rendimentos, estes são divididos pelo coeficiente dois para determinação da taxa de imposto aplicável. Mas os filhos e outros dependentes não são considerados como pessoas adicionais, resumem-se a simples apêndices que proporcionam pequenos benefícios. Não há justiça nisso. O rendimento dos agregados familiares deveria ser dividido por um coeficiente igual ao número total dos seus membros, apurando-se algo equivalente a um rendimento tributável per capita. Assim sim, valeria a pena ter filhos, pelo menos de um ponto de vista fiscal, mesmo sem abonos ou deduções. E tornaria supérfluo penalizar as famílias sem eles, como já por aí se fala em desespero de causa.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Pensamentos Indiscretos

Sátiras e Aforismos

Novo livro de Rui Valada:

«A seriedade não é por vezes senão uma futilidade mais solene.»
«Cuidado com as grandes frases! Nelas costumam esconder-se as pequenas ideias...»
«O indivíduo que nunca conseguiu afirmar-se pelas suas próprias realizações pode ainda tentá-lo através das alheias: assim nascem, regra geral, o adepto, o divulgador e o crítico.»
«Em política, o caminho mais curto entre dois pontos é a linha sinuosa.»

Graal Editores, 64 pp., 13 x 21 cm, ISBN: 978-972-8977-05-4, € 9,90

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quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O problema do PSD

É muito simples: o PSD não é um partido político. Ou para ser mais exacto e explícito: dentro do PSD há vários partidos políticos que usam a mesma designação, os mesmos símbolos, as mesmas sedes, mas que são organizações diferentes.
Que periodicamente se coligam na mesma campanha eleitoral, mas que perseguem objectivos diferentes.
Que se julgam tentáculos de um mesmo corpo, mas que pertencem a famílias políticas diferentes ou que nem sequer sabem a qual pertencem, no arriscado e improvável pressuposto de todos pertencerem a alguma.
Que têm programas tão escandalosamente diferentes que andaram durante quase vinte anos a evitar mexer na melindrosa questão da actualização do programa "comum" que aparenta uni-los.
Que fazem entre si uma oposição muito mais feroz do que ao próprio Governo, com o mesmo grau de diferença que há entre o rosnar de um buldogue e o ladrido de um caniche.
Que têm os mesmos estatutos e regulamentos, mas que cada um deles usa à sua maneira, variando a receita e as dosagens à medida das respectivas conveniências e idiossincrasias.
Que, no plano interno, praticam entre si uma acirrada alternância democrática, apenas porque ainda não se deram ao incómodo de perceber que têm em comum o não gostarem de alternar e o cada vez menos lhes apetecer serem democráticos (e por isso mesmo, sempre que possível, evitando sê-lo).
Que gostam de encerrar sedes uns aos outros, de expulsar ou afastar militantes uns dos outros, de boicotar as iniciativas uns dos outros e, sempre que a oportunidade surja, de se insultarem desabridamente uns aos outros, como possível intróito para ameaças várias ou um par de estalos.
Que fomentam com zelo os seus gangues privativos, com especializações que podem ser diferentes ou tendencialmente comuns, uns actuando preferencialmente nos multibancos, outros nos loteamentos, outros nas extorsões aos construtores e empreiteiros, outros ainda na apropriação das mordomias partidárias, mas que são amiúde incapazes de improvisar uma estratégia comum para uma malfeitoria convenientemente organizada e mutuamente proveitosa.
No interior desta espantosa organização multifunções, tipo dez-em-um pelo menos, cada facção (ou seja, cada partido) tenta bloquear as inscrições dos novos militantes trazidos pelas outras, ao mesmo tempo que arrebata para as suas listas tudo quanto é bicho ou gente, desde o tio e o cunhado e o primo até ao gato e ao canário e àquele vagamente lembrado tio-avô que já morreu, mas que deixou o seu voto em testamento.
Este é o retrato do PSD na sua última versão conhecida, o chamado "estado da arte", desconhecendo-se ainda se o seu recente Congresso Nacional irá trazer algumas actualizações e aperfeiçoamentos.
Uma coisa parece certa: serão necessárias profundas reformas estatutárias e aquecer os ânimos suficientemente ao rubro para permitir a fusão destas várias entidades internamente coexistentes num único partido político. Algo que, no mínimo, introduza o fair-play, há muito ausente da maioria das jogadas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Um serviço cívico obrigatório

Em muitos sectores, o Estado e as autarquias não cumprem adequadamente as suas obrigações por falta de verbas ou de outros meios. Nalguns deles, essas obrigações carecem mais de trabalho que de equipamentos, mas não há com que pagá-lo.
Muitas das nossas praias e costas carecem de limpeza adequada. Muitas matas e florestas precisam de ser desatulhadas de folhas secas e outros materiais combustíveis que alimentam os grandes incêndios estivais. Muitos parques e jardins, nas nossas cidades e vilas, carecem de manutenção e embelezamento. Muitos dos nossos serviços públicos, com carácter permanente ou em crises sazonais, revelam atrasos e deficiências causados pela escassez de pessoal, umas vezes crónica, outras vezes derivando de férias ou licenças. Em muitas escolas, há pequenas crises esporádicas originadas pela falta de pessoal auxiliar. Em muitas corporações de bombeiros, o número de voluntários tornou-se manifestamente insuficiente. Muitos idosos vivem entregues a si mesmos, sem qualquer apoio domiciliário. E muitas associações de apoio humanitário vêem cerceado o alcance dos seus esforços pela falta de colaboradores.
No entanto, e ao mesmo tempo, inúmeros desempregados aguardam sem qualquer ocupação que se extinga o seu direito ao subsídio de desemprego, e permite-se-lhes mesmo recusar ofertas de emprego sem quaisquer penalizações. Nas escolas, muitos estudantes ficam desocupados durante as longuíssimas férias de Verão, desresponsabilizados de quaisquer obrigações.
Fará isto algum sentido?
Todas aquelas falhas da nossa sociedade de escassos recursos podem, no entanto, ser colmatadas através de um serviço cívico obrigatório. Todos aqueles que recebem ou podem receber algum grau de protecção social contraem uma dívida moral para com a sociedade que os protege. Uns pagam-na através dos seus impostos e das suas contribuições obrigatórias para a segurança social. Outros, que transitoriamente não estão a ser contribuintes líquidos para essa rede de protecção, mas beneficiários directos e desaproveitados de um tal sistema, devem contribuir com algo mais do que a inércia e o parasitismo.
O novo serviço cívico obrigatório deveria recair, antes de mais, sobre todos os desempregados que estão a ser subvencionados, o que também contribuiria para impedir ou dificultar as fraudes. E logo a seguir, sobre todas as crianças e jovens em idade escolar, durante um período relativamente curto das suas férias.
A ética republicana é feita de direitos e deveres, de compromissos e solidariedades. E um serviço cívico obrigatório seria para muitos intervenientes, mas sobretudo para os jovens, a oportunidade altamente pedagógica de participar em actividades de interesse geral, de colaborar com o mundo associativo e com a gestão autárquica, de dar um conteúdo prático a uma noção colectiva de solidariedade que amiúde não passa de um conceito hipócrita e descartável.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Um mito desfeito

Os últimos anos têm-nos feito assistir à queda de uma das convicções mais habilmente insinuadas pela artificiosa conveniência de várias e sucessivas legislaturas: a de que tantos portugueses teriam de pagar impostos tão elevados porque havia muitos outros que, pura e simplesmente, não pagavam, e pelo menos outros tantos que pagavam bastante menos do que deviam. Ou seja, uns pagariam pelos outros.
Agora, após vários anos de feroz e enraivecida perseguição às fraudes e à evasão fiscal, a nossa perspectiva teve de mudar.
A azáfama das inspecções, a parafernália de meios informáticos utilizados, os refinamentos legislativos, a quantidade de processos em trâmites, o número de penhoras efectuadas, o volume das cobranças em atraso que foi sendo recuperado, o crescimento avantajado das receitas, tudo isso tem somado êxitos e recordes, segundo nos informam as muito apregoadas estatísticas da propaganda governamental.
Mas, surpresa das surpresas, os impostos não baixaram, nem as promessas do Governo para lá se encaminham. Pelo contrário, têm continuado a subir, de uma forma ou de outra. Nuns casos, por agravamento das taxas; noutros, por alargamento da sua base de incidência ou por actualização insuficiente dos respectivos escalões de tributação; noutros ainda, por eliminação de deduções e benefícios. E à margem deles, muitas taxas cobradas pelos serviços públicos registaram aumentos bem acima das percentagens oficiais da inflação.
Conclusão: a carga fiscal está agora mais distribuída, o grau de evasão diminuiu bastante, o Estado viu aumentar significativamente as suas receitas mesmo em período de fraco crescimento económico. Mas, em vez de descer, a carga global das contribuições e impostos cresceu também e passou a onerar ainda mais os rendimentos.
Isto só mostra o grau de voracidade fiscal que está entranhado até à medula nos hábitos perdulários do Estado que temos. Quanto mais houver, mais se gasta. E para que se possa gastar mais, a obsessão é sempre a de cobrar mais ainda. Parece pois distante e remoto o ano abençoado em que alguém nos anuncie, sem faltar à verdade, que o Estado gastou menos, em termos absolutos, do que no ano anterior e que se prepara para ainda maior austeridade. De qualquer modo, se tal ouvirmos, nem vamos acreditar.
E outra coisa se demonstra: que esta voracidade por impostos já não faz grandes distinções entre "direita" e "esquerda", entre socialismo e social-democracia, entre lideranças firmes e frouxas. Em termos fiscais, a palavra de ordem é arrecadar. Parece fora de questão fazer cortes drásticos nas despesas públicas, para além de operações meramente cosméticas, ou eliminar as funções supérfluas do Estado.
Assistiremos ainda a novas investidas, no sentido de o fisco se aproximar um pouco mais do confisco? É bem provável.