sexta-feira, 6 de junho de 2008

Novos rumos para a educação

Portugal tem o pior sistema educativo da União Europeia e o segundo pior do conjunto de países da OCDE. Isto não é consentâneo com o objectivo de vir um dia a alcançar o pelotão da frente dos países desenvolvidos. Antes pelo contrário, distancia nos dele.
O cerne do problema é o próprio Ministério da Educação, uma estrutura pesada, burocrática, obsoleta, dispendiosa, muito mais orientada para a promoção do sucesso estatístico do sistema do que para a obtenção de resultados reais no aproveitamento escolar. Tal estrutura precisa ser em parte desmantelada, noutra parte reformada. E é necessário também transferir para os poderes locais um maior número de competências e as correspondentes dotações financeiras (entre outras, as que se prendem com a generalização do ensino pré-escolar e a manutenção de todo o parque educacional).
Os ensinos básico e secundário carecem de uma cultura pedagógica direccionada para um grau muito maior de exigência aos alunos e para uma preocupação essencial com a transmissão de saberes estruturados, em detrimento dos actuais modismos pedagógicos. As últimas três décadas assistiram ao fracasso clamoroso do “eduquês” e suas práticas. Há que revalorizar o conhecimento, a disciplina, o esforço, a persistência e o mérito − e além do mais, o papel fulcral dos professores e da sua ética profissional.
É imprescindível estabelecer padrões elevados de transmissão de conhecimentos e sustentá-los através de um sistema de avaliação adequado, padronizado, exigente e rigoroso, centrado na medição das aprendizagens efectivamente conseguidas. Sem isso, nunca será possível credibilizar o sistema de ensino e os diplomas concedidos.
Ao longo do percurso escolar obrigatório, a língua portuguesa e a matemática devem assumir o patamar de importância que lhes é devido como saberes básicos estruturantes. E à semelhança do que se faz noutros países europeus, deve-se generalizar a iniciação intensiva em duas línguas estrangeiras e na informática, logo a partir do primeiro ciclo do ensino básico.
O ensino secundário aguarda há décadas a introdução de soluções sensatas de flexibilidade curricular sem uma proliferação caótica de disciplinas e variantes, facilitando as escolhas dos alunos e a gestão administrativa das escolas. Quanto aos programas, muitos estão obsoletos e carecem de actualização urgente, especialmente no domínio das ciências humanas.
No ensino superior, é urgente debelar o flagelo das licenciaturas e mestrados de fraco nível académico e sem saída profissional previsível, com todo o dispêndio de recursos e de vocações que acarretam. É, além do mais, uma questão de moralidade pública e de bom senso económico.
No que concerne às profissões docentes, há muitos estragos a reparar. Há que devolver-lhes a dignidade e o prestígio perdidos, revalorizar o seu estatuto social, devolver-lhes a autonomia e o poder disciplinar na sala de aula, reforçar a sua autoridade e segurança, libertá-las de cargas burocráticas inúteis e de constrangimentos absurdos nos domínios da didáctica e da avaliação. E não menos importante, remover as obstruções artificiais à progressão profissional e salarial dos professores, proporcionar lhes uma formação contínua digna desse nome, ou seja, útil e eficaz, realmente centrada na aquisição de novas competências científicas e didácticas, o que não é actualmente o caso.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Os professores e a estratégia sindical

Com culpa ou sem ela, dada a complexidade quase labiríntica das reformas toscas e atabalhoadas que o Ministério da Educação tem tentado ultimamente empreender à pressa, o que é facto é que os sindicatos têm revelado também algumas falhas de clarividência estratégica para se opor a elas.
Talvez seja compreensível: toda a classe docente anda ainda tão atordoada com esta avalanche de mudanças mal concebidas e pior legisladas que só agora começa a ser capaz de juntar os fios da meada. Têm-se sucedido despachos, circulares, orientações e documentos avulsos a um ritmo que impede a boa digestão. Têm-se acumulado as imprecisões, as lacunas, as inépcias e as omissões, num volume significativo. Vão proliferando as diferenças de interpretação, de planificação, de aplicação. Multiplicam-se também as análises e os pareceres, mas as opiniões dividem-se. Feitas as contas, sobra pouco tempo para pensar com calma e ir ao essencial.
Em primeiro lugar, há que questionar seriamente se e como pode ser avaliado com rigor o desempenho didáctico de cada professor, tratando-se de uma profissão essencialmente solitária, que se desenrola em larga medida (ou seja, no seu núcleo duro: ensinar) à margem dos olhos de colegas e directores.
Em segundo lugar, há que pôr em evidência que uma variável só pode ser medida com precisão quando pode ser isolada. Ora se o progresso escolar dos alunos pode resultar do mérito dos professores, do mérito dos próprios alunos ou de uma conjugação de ambos, como é possível destrinçá-los para medir só um deles separadamente? Não conheço ainda resposta para tal questão.
Em terceiro lugar, há a razoabilidade financeira. Qualquer modelo de avaliação dos docentes implica, para cada caso individual, o dispêndio de um certo número de horas de trabalho qualificadas e pagas. Num processo burocrático tão complexo como o que se preconiza e se pretende aplicar, qual o tempo de trabalho necessário para avaliar 143.000 professores de dois em dois anos? E quanto custa isso ao Estado, ou seja, aos contribuintes? Será esse dispêndio colossal minimamente justificável em face dos magros resultados previsíveis, quando seria possível aplicar tais verbas na modernização tecnológica das escolas ou noutras melhorias, com resultados muito mais palpáveis?
Em quarto lugar, se pode o Ministério da Educação formar uma comissão científica para superintender na avaliação do desempenho dos professores, por que não hão-de os professores, numa actuação concertada dos seus sindicatos, constituir também uma comissão científica, igualmente credível e não menos eminente, para avaliar em cada ano o desempenho do Ministério da Educação? Como arma política de arremesso, não seria coisa de desprezar. E tanto menos quanto maior fosse a seriedade posta na iniciativa.
Aqui fica a sugestão para abrir quatro novas frentes de combate.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Uma profissão solitária

Há muitas profissões que se desenrolam à vista de chefes e colegas, permanentemente expostas à observação e ao escrutínio de quem pode orientá-las, dirigi-las, criticá las e, por fim, avaliá-las. Nelas, o desempenho de cada um não é coisa reservada, não há como escondê-lo ou camuflá-lo perante o olhar dos pares e dos superiores hierárquicos. Não há privacidade nesse desempenho.
Noutras, a avaliação do desempenho pode fazer-se em grande parte por rigorosos critérios objectivos, estandardizados, quantificáveis: níveis de produção, resultados de vendas, percentagens no controle de qualidade, incrementos da produtividade, redução dos custos, lucros líquidos, quotas de mercado, volume de clientes ou de transacções. Pode pensar-se o que se quiser, os números aí estão para confirmar ou desmentir.
Outras, porém, são profissões solitárias. Não porque se desenrolem inteiramente à margem dos olhares e juízos alheios, mas porque quem vê e ajuíza sobre a porção visível não tem supostamente a isenção e a preparação necessárias para julgar. É o caso dos professores.
Boa parte do seu trabalho é de carácter reservado: o estudo prévio das matérias a leccionar, a esquematização das aulas, a preparação dos materiais didácticos, a concepção dos instrumentos de avaliação dos alunos, tudo isso é feito na intimidade de uma mesa de trabalho, em casa ou seja onde for, longe do olhar dos colegas e dos directores, e até mesmo dos destinatários.
Outra parte é de carácter colectivo e, portanto, não responsabiliza individualmente ninguém: a planificação da execução dos programas, as normas internas de avaliação, a aprovação de matrizes para exames, o plano anual de actividades extracurriculares, tudo isso resulta de deliberações de cada departamento específico ou dos outros órgãos pedagógicos da escola. Cada professor aí apenas opina, sugere, critica, regista e, quando for o caso, vota.
Mas o essencial da docência, o seu núcleo duro, é dar aulas. Durante mais de meio milhar de horas em cada ano lectivo, o professor está apenas exposto aos seus alunos, sujeito aos ventos instáveis do interesse e da atenção daqueles, confrontado com muitos desafios personalizados e individualismos de motivação, disciplina, capacidade, empenho, preparação prévia e sedimentação de conteúdos. Está condenado a dirigir-se à média intelectual de cada turma ou, na pior das hipóteses, ao seu menor denominador comum. Tem que ajustar os seus planos e intenções iniciais às características próprias dos alunos com que se defronta em cada bloco lectivo. É obrigado a adaptar, a improvisar, a fazer o que a dinâmica de cada aula exige, e não há verdadeiramente nenhuma igual a outra, porque a contínua variação das matérias e a alternância das turmas tende a estilhaçar as rotinas.
Não sendo justo nem razoável que um professor seja avaliado pelos resultados obtidos pelos seus alunos, visto que não é responsável pela qualidade das turmas que lhe atribuem, será suficiente um dos seus pares assistir-lhe a umas quantas aulas, correspondentes a menos de 1% do seu desempenho lectivo ao longo de um ano inteiro, para avaliar grosso modo a qualidade intrínseca do seu trabalho? Ou não será isto resvalar para o aleatório, para o superficial, quase para o arbitrário?

quarta-feira, 19 de março de 2008

PSD: um charco estagnado

Flutuando como um pedaço de cortiça à tona dos acontecimentos efémeros, ao sabor das pequenas marés que o levam e trazem, assim vai o PSD.
Nos seus bastidores acotovela-se gente que apenas pretende conquistar cargos políticos, lugares remunerados, nichos de influência ou, muito simplesmente, posicionar se melhor para a próxima oportunidade. Pelo menos que se veja ou que se oiça, já poucos defendem causas. As raras ideias que ainda estrebucham são as que se apresentam vocacionadas para a almejada reconquista do poder. Mas ao certo, ao certo, ninguém sabe muito bem o que se há-de depois fazer com ele, a não ser o tirar proveito das vantagens que proporciona.
O próprio Partido enquanto tal não sabe para onde quer ir. Tem actualmente três líderes, mas nenhuma liderança. Há quem mande na comissão política, no grupo parlamentar e no funcionamento interno do partido, mas a nau anda à deriva. O que significa que as suas figuras mais proeminentes no momento não são líderes de facto, pois só merecem esse epíteto os dirigentes que sabem definir metas e rumos, organizar, motivar, esboçar as estratégias e as tácticas, encabeçar iniciativas, pôr as tropas em movimento. Ora nada disso está a acontecer. As hostes continuam acantonadas nos seus pequenos acampamentos amuralhados, com pouco contacto e intercâmbio com o exterior, à espera que soem as trombetas para os assaltos eleitorais. O que se há-de dizer, escrever, defender, ainda não preocupa ninguém.
A um ano e tal de eleições, ninguém sabe o que o PSD defende para a reforma do sistema político, da educação, da saúde, da segurança social, da justiça, ou para estimular a actividade económica, o emprego, a investigação científica, o progresso tecnológico.
Ninguém sabe o que ele pretende para combater a corrupção, a delinquência, a criminalidade violenta, a guerra civil no trânsito, a imigração ilegal, a degradação do património ou do ambiente.
Ninguém vislumbra qual é a sua visão para a construção europeia, para o ordenamento do território, para a harmonia social, para a revitalização do interior.
É um partido neste estado que pretende no ano que vem desafiar o seu rival no poder, conquistar-lhe a maioria absoluta sem coligações, desalojá-lo dos muitos lugares apetecidos na administração e nas empresas públicas.
Aliás, há duas décadas que o PSD não actualiza sequer o seu programa político, como se isso não fosse necessário para nada. E para quem, em política, está apenas habituado a fazer o que se chama navegação à vista, não é. Basta ir espreitando os acidentes da costa e os recifes em volta. Quanto ao destino a atingir, logo se verá. Se é que é mesmo necessário saber para onde se ruma…
Assim vão as coisas nesta província do reino da parvónia.

domingo, 9 de março de 2008

Sobre a avaliação dos professores

As recentes pretensões do Governo em avaliar individualmente o desempenho de toda a classe docente, alicerçadas em boas intenções teóricas, desembocam em meandros absolutamente insensatos e em pormenores que só podem classificar-se como surrealistas.
Se o objectivo fosse a boa gestão das escolas, haveria que pensar com seriedade na relação custos-benefícios. Se fosse também a melhoria dos resultados escolares, seria necessário poder demonstrar que uma coisa tem relação com a outra. Ora não parece que alguém tenha feito esse estudo prévio. Trata-se apenas de política pura e dura. Pior ainda é que algumas das medidas avulsas que se pretende pôr em prática sejam, no mínimo, bizarras.
Por exemplo: se muitos professores leccionam mais de 500 ou 600 horas por ano lectivo, poderá cada um deles ser avaliado pelo que faz em 4 ou 5 aulas assistidas, ainda por cima sujeitas a aviso prévio?
Muitos dos factores que influenciam o aproveitamento escolar dos alunos, tais como ambiente familiar, condições logísticas, regime alimentar e de sono, métodos e disciplina de estudo, quociente intelectual, empenho e persistência, eventuais explicações externas, motivações pessoais, antecedentes escolares, deficiências anteriores acumuladas e não resolvidas, actividades extra escolares, etc, não são da responsabilidade do professor actual que lhes lecciona um determinado programa, o qual só pode responder pela qualidade média das suas aulas ao longo do ano e pela adequação dos instrumentos de avaliação por si utilizados. Ora faz sentido, nestas circunstâncias, que a qualidade do desempenho dos docentes seja deduzido do nível de resultados dos seus alunos, permeáveis a tantas outras influências e condicionantes que lhe são alheias?
Ainda mais intrigante: fará sentido que muitos professores venham a ser avaliados por colegas com idêntica formação, idênticos conhecimentos, idêntica experiência, idêntica qualificação profissional e sabe-se lá se com menor classificação académica?
Pergunto-me se já alguém pensou no enorme desperdício intelectual e financeiro de tantas horas de trabalho pagas que serão necessárias para garantir a assistência às aulas de muitas dezenas de milhares de professores, elaborar e analisar os respectivos relatórios, submetê-los à aprovação de instâncias superiores, etc, etc…
Sejamos práticos: não é realmente de esperar que melhore o desempenho da classe docente, se esta andar cada vez mais assoberbada a participar em reuniões inúteis, a elaborar actas e relatórios, a preencher fichas e inquéritos, a assegurar parte do funcionamento burocrático das escolas ou a frequentar acções de formação que em regra não servem para nada, em vez de poder dedicar o seu tempo não lectivo àquilo que verdadeiramente importa, que é, além do apoio personalizado aos alunos, o estudo e a preparação das aulas.
Não é de uma avaliação dos professores que estamos a necessitar com maior urgência, mas sim de uma avaliação severa do próprio Ministério da Educação.
Por alguma razão o nosso sistema educativo está em penúltimo lugar no conjunto dos países da OCDE. Atrás de nós, imagine-se, só o México... E não parece que a culpa seja dos professores. Esses até denunciam porquê, mas nenhum ministro os ouve.

As prioridades na educação

Cabe na cabeça de alguém medianamente sensato (já não digo lúcido) que os responsáveis governamentais venham agora importunar e perseguir os professores com absurdas e burocráticas exigências de avaliação do desempenho, que se adivinham desde já totalmente improdutivas, quando sucessivos e incontáveis governos, incluindo o actual, têm vindo propositadamente a baixar o nível de exigência sobre os estudantes, que são aqueles em quem ela deveria recair em primeiríssimo lugar?
Tem cabimento pedir cada vez mais aos professores, quando se exige cada vez menos aos alunos?
Parece que não houve nada que não se inventasse já para reduzir artificialmente o insucesso escolar, em detrimento das aprendizagens e em benefício das estatísticas. Só falta os professores que reprovam alunos terem processos disciplinares, serem despedidos ou enfrentarem o pelotão de fuzilamento.
Estamos a tentar tapar o sol com a peneira.
Em mais de trinta anos de regime democrático, sucessivos ministérios de variados quadrantes não têm sabido reformar currículos, actualizar programas, modernizar as recomendações metodológicas, melhorar os sistemas e as escalas da avaliação. Ora, antes de mais, é disso que a educação precisa.
Quanto à pretendida melhoria de desempenho dos docentes, ela resultará em parte, necessária e indirectamente, de uma maior exigência na avaliação dos alunos. Noutra parte, resultará da modernização tecnológica dos meios educativos. Noutra parte ainda, provirá de um bom sistema de formação contínua dos professores, que nenhuma equipa ministerial até hoje soube conceber e pôr em prática. E por fim, de forma meramente residual, resultará de um bom sistema de inspecção do funcionamento escolar.
Se, conseguido tudo isto, um qualquer processo de avaliação do desempenho individual dos professores ainda puder acrescentar algum efeito útil que justifique a exorbitância dos seus custos, eu ficarei muito surpreendido. Mas até prova em contrário, uma tal pretensão goza da presunção de redundância. É um enorme desperdício de energias e de meios que se poderia canalizar para outros fins, com muito mais eficácia e proveito.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Os desmandos do Banco Central Europeu

Em meia dúzia de anos, o euro praticamente duplicou o seu valor em relação ao dólar americano. Hoje, sem dúvida, os europeus podem vangloriar-se de ter uma "moeda forte". Mas será isso motivo de verdadeiro regozijo?
Uma moeda que se tornou demasiado "forte" está a ter consequências muito pesadas. Na verdade, o que uma valorização tão excessiva significa é que as nossas exportações para o mercado americano duplicaram de preço para os respectivos consumidores, enquanto as nossas importações vindas de lá baixaram para cerca de metade do seu custo. Não creio que seja uma boa notícia para os exportadores e os produtores europeus, nem para os nossos mercados de emprego. Tornou-se tão barato ir fazer compras à América que o fenómeno se tornou moda. Pode haver quem lucre com esta distorção, mas a maioria perde. A comprová-lo, estão os agravamentos inéditos dos nossos défices comerciais.
Será que o Banco Central Europeu cumpriu plenamente a sua missão, ao permitir que tal acontecesse? Pode dizer-se que sim, porque lhe atribuíram como uma das suas missões prioritárias tornar o euro uma moeda consistente e credível. Não há dúvida que isso foi conseguido, com inegáveis laivos de exagero. Não era necessário tanto, nem sequer conveniente. Muitas empresas europeias vão pagar dramaticamente esta falta de senso, com uma perda abrupta da sua competitividade.
Outra vocação estatutária do Banco Central Europeu é a de combater a inflação. Muitos analistas lhe têm reconhecido nisso alguma eficácia, mas à custa de asfixiar o consumo, o investimento e, por conseguinte, o emprego, através da subida das taxas de juro e das restrições monetárias. Será essa a política adequada para os tempos que correm?
A inflação talvez tenha sido outrora o problema maior das economias europeias. Actualmente não é, e nada justifica as preocupações empoladas e as considerações alarmistas que geralmente vêm fazer cortejo a qualquer subida de uma ou duas décimas percentuais nos preços. O problema maior de hoje é o desemprego, que cresce a um ritmo alarmante, e que deriva desse outro que lhe subjaz, a incapacidade de um crescimento económico mais enérgico. Mas em relação ao desemprego tem-se constatado uma assinalável tolerância e condescendência, mesmo em relação a variações percentuais significativamente maiores. Enfrentamos pois duas maleitas: um certo dogmatismo monetário e alguma insensibilidade social. O Banco Central Europeu é o novo expoente de ambas.
Muita gente, entre a qual me incluo, não consegue perceber bem por que há-de uma inflação moderada ser tão mais assustadora que um desemprego galopante. Mas não se trata apenas de uma visão distorcida dos nossos reguladores monetários: o que eles fazem é cumprir com excesso de zelo as missões insensatas que lhes foram confiadas.
Ora a economia não pode ser analisada apenas sou um ou dois prismas. É uma óptica de conjunto que lhe dá coerência e estabilidade. Razão pela qual os ministros da economia e das finanças da zona euro deveriam reunir regularmente com o presidente do Banco Central Europeu para construírem juntos uma política monetária adequada à evolução dos acontecimentos. Um procedimento muito simples e escandalosamente sensato, análogo ao que fazem os nossos amigos americanos. Nem que para isso seja necessário redefinir as missões do Banco e alterar os seus estatutos. Aliás, já é mais que tempo.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Brincar às taxas de juro (2)

O sacramental recurso à subida das taxas de juro para controlar a inflação tem tido consequências tão graves e negativas que se justifica zurzir de novo contra esta prática insensata entretanto tornada frequente e universal.
Antes de mais, é preciso atacá-la pelo seu exagero. Regra geral, os bancos centrais não se têm contentado com pequenos agravamentos das taxas de referência. Constatando que estes não produzem todo o efeito desejado, ou não percebendo que este pode demorar bastante tempo a manifestar-se, acumulam precipitadamente agravamentos sucessivos até eventualmente se aproximarem do dobro ou do triplo da taxa inicial a que começaram a aplicá los.
Para quem apenas raciocine em termos de taxas, um aumento de 25 pontos-base (ou seja, 0,25% em linguagem que toda a gente entenda) até pode não parecer nada do outro mundo. Mas se a taxa inicial, antes de quaisquer agravamentos, era de, digamos, 2,5% ao ano, esse pequeno acréscimo representa de facto um aumento de 10% dos encargos com juros que serão suportados por particulares e empresas. E cada pequeno aumento de mais 0,25% das taxas representará outro aumento de 10% nos encargos totais com juros. Se a taxa sobe gradualmente de 2,5% para 5%, por exemplo, o agravamento dos encargos com juros é de 100%, e assim sucessivamente. É simplesmente demolidor.
Vistos a esta luz, os desmandos dos bancos centrais chegam perfeitamente para explicar as falências provocadas em muitas empresas tecnológicas e outras fortemente dependentes do crédito, especialmente na sua fase de arranque, bem como os incumprimentos em massa no pagamento das amortizações de empréstimos bancários contraídos por particulares.
O caso é particularmente grave no segmento do crédito à habitação. Por um lado, as suas taxas de juro costumam ser substancialmente mais baixas do que as do crédito ao consumo e, portanto, qualquer pequena variação nelas tem logo um impacto percentual muito maior nos encargos suportados. Por outro lado, a amortização dos empréstimos habitacionais consome geralmente uma fatia importante dos rendimentos individuais ou familiares, permitindo a nossa lei reguladora que os respectivos encargos atinjam metade do rendimento bruto dos proponentes de tais empréstimos. Feitas as contas, e conjugando os dois efeitos, logo se percebe que os agravamentos sucessivos das taxas de juro têm um efeito devastador no nível de vida das famílias, na sua folga económica e na sua capacidade para suportar as obrigações assumidas.
Para além de inibir potenciais novas despesas, os agravamentos reiterados das taxas asfixiam gradualmente quem já antes as contraiu a médio ou longo prazo. São sucessivos golpes de machado em qualquer planeamento económico que antes se tenha feito. Não admira pois que advenham crises de grandes proporções no segmento do crédito imobiliário de alto risco. Prevê-las teria sido de elementar bom senso.
Quando os efeitos se tornam dramáticos, será tarde para muitos que os bancos centrais venham apressadamente emendar a mão e inverter a tendência. Uma parte do tecido económico terá sido irremediavelmente destruída por decisões impacientes e mal ponderadas.
Embora haja a intenção de estas manipulações das taxas de juro ajudarem a controlar os ciclos económicos, talvez se possa dizer, e é a própria experiência que o sugere, que são cada vez mais elas que os provocam ou, no mínimo, os agravam.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Brincar às taxas de juro

Muitos economistas continuam convencidos de que a melhor maneira de combater a inflação é subir paulatinamente as taxas de juro. Impregnados desta convicção, e desprovidos de melhores oportunidades para mostrar que ainda são tão relevantes como o foram no passado para regular a economia, os bancos centrais aplicam com esmero esta clássica receita. Mas a racionalidade dela é tanta como tentar tratar um inchaço no corpo com a aplicação de um colete-de-forças.
A intenção, como facilmente se compreende, é condicionar o consumo e o investimento. Fazendo subir o preço do dinheiro (que é como quem diz: o juro dos empréstimos bancários), os potenciais gastadores são em parte refreados pelo maior peso dos encargos financeiros que terão de suportar. Uns farão menos despesa, outros desistirão de a fazer. Isto aliviará um pouco a procura de bens e serviços e, em consequência, a sua pressão sobre os preços. Neste raciocínio, parte-se do velho pressuposto básico de que é o crescimento da procura que mais inflaciona os preços e que, ao invés, se pode desinflacionar os preços pela compressão da procura.
Noutros tempos, as coisas poderão ter-se passado como neste modelo tão simples. Hoje, entra pelos olhos de toda a gente que, em muitas áreas, o acréscimo da procura permite economias de escala na produção e na distribuição, o que tende a fazer baixar os preços, e não o contrário. Isso é sobretudo evidente com os novos produtos tecnológicos que são sucessivamente lançados no mercado e que rapidamente baixam de preço à medida que se generaliza a sua utilização.
De facto, na maior parte dos casos, a inflação moderna é causada não tanto pelo acréscimo da procura como pelo aumento incontrolado dos custos de produção. Umas vezes são os preços das matérias-primas e da energia, outras vezes são os agravamentos fiscais, outras vezes ainda é a perda de economias de escala provocada pela diminuição na procura, fazendo subir os custos unitários de produção. Partindo desse pressuposto, tentar travar uma "inflação pelos custos" através de um remédio talvez apropriado para debelar uma "inflação pela procura" deveria parecer, no mínimo, bizarro. Tanto mais que o juro dos empréstimos é, ele próprio, um custo logo incorporado no preço dos bens e serviços.
Como poderão pois os bancos centrais acertar na terapêutica, se começam por errar no diagnóstico? Ao subirem as taxas de juro, não estão apenas a inibir uma parte do consumo e do investimento que dependessem do crédito. Estão também a desbaratar recursos de todos quantos, particulares ou empresas, já contraíram crédito antes da subida das taxas e que assim, de um momento para o outro, se vêem onerados com maiores encargos e despojados de uma parte dos seus rendimentos. Isso pode até moderar a subida dos preços, mas empobrecendo quase toda a gente e asfixiando a economia. Não é o remédio certo.

sábado, 19 de janeiro de 2008

DESAFIO-O! (Carta aberta ao Dr. Luís Filipe Menezes)

Começo por dizer que votei em si no último congresso. Dei-lhe o benefício da dúvida, esperançado que trouxesse consigo algumas mudanças de fundo no PSD e não apenas as inevitáveis mudanças de rostos. Faço agora um paciente compasso de espera, até ver se me enganei ou não. Adiarei, pois, o meu juízo final.
No entanto, o tempo passa e quase tudo parece demasiado na mesma, excepto as equipas. Fase de preparação ou falta de élan inicial? Também o tempo o dirá. Mas já passou tempo suficiente para que algo mais fosse feito, ou anunciado, ou debatido internamente. Por enquanto, permanece o marasmo no pântano.
Muitos começam já a dizer à boca cheia que houve demagogia na sua campanha para presidente do partido, que muitas das promessas feitas não eram para cumprir. E nos tempos que correm, não há muitas coisas capazes de exasperar mais os eleitores ou os militantes partidários do que prometerem-nos lebre e darem-nos gato. Para já não falar da desfaçatez impune com que tal hábito se instalou.
Comecemos então pelas promessas ainda não cumpridas.
Na sua moção de candidatura à presidência do PSD, prometeu uma revitalização do trabalho partidário. Ainda nada se viu.
Prometeu promover um ciclo de debates, entre Outubro de 2007 e o verão de 2008, denominado "Ouvir o PSD/Ouvir Portugal". Mas já vamos em meados de Janeiro e ainda nada se debateu, nada se anunciou e ainda ninguém foi ouvido: nem o PSD, pelo menos no plano dos militantes de base, nem o país, pelo menos no que toca às forças vivas da sociedade civil. Que se saiba, só começaram a ser convocados os presidentes das comissões políticas de secção, há poucos dias, para reuniões à porta fechada.
Prometeu a participação dos militantes na escolha dos representantes do PSD em cargos de representação partidária (autarcas, deputados, eurodeputados). Mas todos sabem que isso, para ser verdade, implicará alterações estatutárias, e nem de tal se ouve falar. Ao que consta, o que se pretenderá é contornar a questão com um mero regulamento avulso a aprovar em conselho nacional, que decerto manterá a última palavra para as estruturas dirigentes, permitindo a estas continuar a escolher apenas os que lhe são afectos.
Prometeu um grande movimento nacional de angariação de novos militantes, mas também ainda nada disso se vislumbra.
Prometeu negociar a criação dos círculos uninominais para a eleição dos deputados, mas já rapidamente deixou cair a ideia. Neste aspecto, pelo menos, fez bem, livrando o país de uma tremenda asneira.
Defendeu um partido "aberto, plural, saudavelmente conflitual", mas agora insurge-se publicamente contra as declarações e movimentações dos críticos e aconselha-os a ter juízo.
Prometeu a revisão do regulamento financeiro do partido, mas pelos vistos ainda nem para isso houve tempo, passados mais de quatro meses sobre a sua eleição. Fez apenas constar que seria para breve. Parece pois que, daquilo que foi prometido, só ainda a descentralização do pagamento de quotas vem a caminho. Mas será isso que vai revitalizar o PSD?
A maioria das sedes concelhias permanece fechada ou inactiva durante períodos consideráveis, entrecortados apenas pelas esparsas movimentações eleitorais. Há pouca afluência, pouca actividade, poucos ideais.
Nada está em debate, porque no PSD já quase não se faz política séria a não ser no topo: o PSD tornou-se um partido de aparelho, deixou de ser um partido de militantes. Estes apenas são solicitados para almoços e jantares de apoio, sessões avulsas de campanha eleitoral, votações internas ou externas. Aliás, no PSD já pouco (e cada vez menos) se discute política, excepto quezílias e cargos. Em vez de debates, organizam-se comezainas. De há anos a esta parte, as ideias e os projectos têm sido substituídos por febras e sardinhadas.
No último congresso, não menos de doze moções reclamaram reformas internas no partido. Se elas vêm a caminho, ainda nem se divisam na linha do horizonte. E o mais provável é que não venham, pois logicamente seria agora a altura de arrumar a casa, e não após a "rentrée" do próximo Outubro, em que se inicia um novo ciclo eleitoral com agenda carregada.
Por isso, Dr. Luís Filipe Menezes, se realmente quer fazer reformas internas, como prometeu ou indiciou, faça-as quanto antes. Se quer dar um sinal de mudança à sociedade portuguesa, comece por demonstrar que é capaz de fazer mudanças relevantes dentro do seu próprio partido. Ou arrisca-se a não ter crédito suficiente quando precisar dele. Nem crédito, nem votos.
Desafio-o, portanto: mostre que está à altura do lugar para que foi eleito. E dê a conhecer melhor o que pensa fazer, já que muita gente votou em si sem o saber ao certo, apenas ávida de mudança.
Desafio-o, antes de mais, a explicitar as suas ideias e intenções em matéria de reforma estatutária e revisão programática, já que grandes alterações de fundo no interior do partido dificilmente podem dispensá-las. E convoque um congresso extraordinário para as levar a cabo antes do final do ano.
Desafio-o a dar voz aos militantes de base na escolha dos candidatos a autarcas, deputados e eurodeputados, instituindo o método das "primárias" e deixando cair o hábito perverso da designação.
Desafio-o a fomentar a concorrência política interna, deixando cair as barreiras normativas e burocráticas a ela, que as há, inclusive no livre acesso aos contactos dos filiados.
Desafio-o a promover um referendo interno sobre revisão constitucional, alteração das leis eleitorais e disciplina de voto, para se saber qual o sentimento dominante no partido a tal respeito.
Em suma: prove que não é apenas mais um dirigente de transição, demasiado entretido a olhar para o seu umbigo. Ausculte o partido, democratize-o por dentro, torne-o de novo aberto e actuante. Demonstre que não fez promessas à toa. Não vá dar-se o caso de os militantes tomarem mesmo juízo, conforme o seu conselho... e optarem por eleger um novo líder.
Recém-eleito que foi, a sua cabeça não está a prémio. Mas poderá vir a estar, mais cedo do que julga.
Mostre que é capaz de fazer as necessárias reformas internas e terá em mim um acérrimo defensor. Não as faça e terá em mim um encarniçado adversário. Precisamente daqueles que falam e escrevem para os jornais, já que até agora não ficou provado que adiante mais falar para si e para o seu séquito de colaboradores, nem para o resto do aparelho já bem instalado.
Os militantes do PSD não são súbditos. São (ou querem ser) cidadãos com voz activa. Trate-os como tal. O tempo dos caudilhismos já lá vai.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Para uma política de civilização

O conceito não é recente. Foi criado pelo sociólogo Edgar Morin há uma boa porção de anos, mas fora dos meios académicos pouca gente o conhecia. Foi agora trazido para a ribalta, com uma pujança absolutamente inesperada, pelo novo presidente francês. E com um impacto mediático tal que, sejam quais forem as realizações práticas que venham a ser conseguidas sob a sua inspiração, a cultura política do nosso século não voltará provavelmente a ser a mesma.
Não se trata de uma fórmula de circunstância, de uma fuga poética ao pragmatismo, de um simples floreado filosófico. É uma noção com substância, embora de contornos mal definidos ou com vários teores possíveis. Ela exprime a ideia de que não basta fazer uma boa gestão prática dos assuntos públicos e que é necessário orientar a sociedade em direcção a determinados valores, instituições, práticas, regras de convivência, enfim, um modus vivendi colectivo que está para além das simples metas quantitativas de qualquer governo.
Por outras palavras, é o tipo de civilização pretendido que mais deve condicionar a orientação das políticas. Sob esse ponto de vista, cada opção de fundo acarreta algumas consequências práticas.
A nossa civilização baseia-se na defesa da laicidade do Estado e da igualdade jurídica dos sexos, o que implica cercear os fluxos migratórios vindos de regiões que não aceitam nem uma coisa nem outra.
Baseia-se na democracia representativa, o que implica que os parlamentos devem controlar e fiscalizar os governos, e não contrário, e que devem haver limites e freios eficazes ao exercício arbitrário e arrogante do poder.
Baseia-se num ideal de solidariedade e na manutenção de um sistema de segurança social, o que implica neutralizar os enormes danos económicos resultantes da concorrência desleal de países onde as empresas não têm de contribuir para esquemas de protecção aos doentes, aos desempregados ou aos idosos e, em certos casos, quase nem impostos pagam.
Baseia-se em elevados padrões de educação e civismo, o que se traduz na obrigatoriedade de preservar a real observância das leis, o cumprimento escrupuloso dos contratos, o respeito dos direitos alheios, a urbanidade e o acatamento das regras de coabitação ou de trânsito.
Baseia-se na ética empresarial e dos negócios, o que implica moralizar o capitalismo financeiro, regular de forma justa e sensata as relações laborais, proteger os consumidores contra abusos e publicidade enganosa.
Baseia-se na segurança das pessoas e dos bens, o que implica reformar um sistema de justiça que actualmente protege mais os delinquentes do que as vítimas e os deixa proliferar.
Baseia-se na possibilidade generalizada de acesso a um apurado nível de formação profissional, de molde a proporcionar algo próximo da igualdade teórica de oportunidades, o que implica a aquisição real de conhecimentos e competências úteis nos estabelecimentos de ensino e não apenas a exibição de estatísticas enganadoras ou elevados níveis de investimento educacional para inglês ver e sem resultados à altura.
Baseia-se no empreendedorismo e na livre iniciativa, o que implica moderar os ímpetos à sua maior inimiga, a voracidade fiscal.
Baseia-se em tudo isto e muito mais. Podem parecer apenas noções muito gerais, mas são susceptíveis de se traduzir em implicações muito concretas.

domingo, 6 de janeiro de 2008

A representatividade dos partidos

Uma notícia recente deu-nos conta de que o Tribunal Constitucional, em cumprimento da lei sobre os partidos políticos, notificou alguns deles para fazerem prova de que têm um mínimo de cinco mil militantes, sob pena de extinção. Os visados foram quase uma dezena de pequenos partidos que sobrevivem a custo no limbo do espectro político, muitos deles surgidos nos tempos conturbados do início da 2.ª República e que conheceram logo depois um acentuado declínio.
O que deve pôr-se em causa nesta questão não é a iniciativa do Tribunal Constitucional, se ela apenas resulta da aplicação da lei vigente. O que deve pôr-se em causa é a própria lei e a legitimidade de uma tal norma.
Todos sabemos que o comum dos cidadãos anda hoje bastante arredado das lides partidárias. Muitos dos filiados nos grandes e pequenos partidos políticos têm neles uma existência apenas fictícia ou meramente residual. Uns não pagam quotas há muito tempo nem participam nas actividades internas, a outros há quem lhes pague as quotas apenas para preservar a representatividade das secções, engrossar as claques eleitorais dos caciques ou manter o número de delegados aos congressos partidários.
É até sobejamente conhecido o fenómeno das inscrições fictícias de muitos dos que se apresentam a votar em eleições internas, pagos para o efeito em dinheiro vivo ou obsequiados com jantares e outros favores. Nem os cadernos eleitorais nem os votantes de cada partido constituem pois um critério fidedigno do número de militantes reais, sendo certo que o número dos militantes activos é sempre muito menor, tal como o demonstra a escassa frequência das sedes e das secções. Na realidade, nem os próprios partidos sabem quantos militantes têm verdadeiramente.
Mas este não é o principal argumento que se pode esgrimir contra as pretensões da lei, quaisquer que elas sejam. O pior é que elas se baseiam no pressuposto implícito de que a representatividade ou relevância dos partidos se aferem pelo seu número de militantes, sejam eles activos ou não, em vez do número de votos que são capazes de obter em sufrágio nacional. Eis a perversão.
Aliás, é bem possível que dois dos partidos actualmente com assento na Assembleia da República não atinjam de facto o número mínimo de militantes que a lei prevê. Deveriam eles perder com isso o direito à existência, se a militância fosse quantificada com absoluta seriedade? É evidente que não. A representatividade dos partidos é aferida pelo voto e não pela militância, algo que aprendemos logo desde os alvores do actual regime. E a inegável falta de representatividade de alguns é publicamente atestada pela ausência de representação parlamentar. É o que basta, não sendo necessário condená-los à extinção por isso. Aliás, é sempre preferível que as correntes minoritárias ou ultraminoritárias se exprimam pelos mecanismos normais da democracia do que à margem deles.
Para rematar, o que mais importa não é o número de militantes em cada partido, mas a qualidade deles. Em teoria, porque há-de um pequeno partido de quadros, por exemplo, ser menos útil à democracia do que um grande partido de massas?