quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Os desmandos do Banco Central Europeu

Em meia dúzia de anos, o euro praticamente duplicou o seu valor em relação ao dólar americano. Hoje, sem dúvida, os europeus podem vangloriar-se de ter uma "moeda forte". Mas será isso motivo de verdadeiro regozijo?
Uma moeda que se tornou demasiado "forte" está a ter consequências muito pesadas. Na verdade, o que uma valorização tão excessiva significa é que as nossas exportações para o mercado americano duplicaram de preço para os respectivos consumidores, enquanto as nossas importações vindas de lá baixaram para cerca de metade do seu custo. Não creio que seja uma boa notícia para os exportadores e os produtores europeus, nem para os nossos mercados de emprego. Tornou-se tão barato ir fazer compras à América que o fenómeno se tornou moda. Pode haver quem lucre com esta distorção, mas a maioria perde. A comprová-lo, estão os agravamentos inéditos dos nossos défices comerciais.
Será que o Banco Central Europeu cumpriu plenamente a sua missão, ao permitir que tal acontecesse? Pode dizer-se que sim, porque lhe atribuíram como uma das suas missões prioritárias tornar o euro uma moeda consistente e credível. Não há dúvida que isso foi conseguido, com inegáveis laivos de exagero. Não era necessário tanto, nem sequer conveniente. Muitas empresas europeias vão pagar dramaticamente esta falta de senso, com uma perda abrupta da sua competitividade.
Outra vocação estatutária do Banco Central Europeu é a de combater a inflação. Muitos analistas lhe têm reconhecido nisso alguma eficácia, mas à custa de asfixiar o consumo, o investimento e, por conseguinte, o emprego, através da subida das taxas de juro e das restrições monetárias. Será essa a política adequada para os tempos que correm?
A inflação talvez tenha sido outrora o problema maior das economias europeias. Actualmente não é, e nada justifica as preocupações empoladas e as considerações alarmistas que geralmente vêm fazer cortejo a qualquer subida de uma ou duas décimas percentuais nos preços. O problema maior de hoje é o desemprego, que cresce a um ritmo alarmante, e que deriva desse outro que lhe subjaz, a incapacidade de um crescimento económico mais enérgico. Mas em relação ao desemprego tem-se constatado uma assinalável tolerância e condescendência, mesmo em relação a variações percentuais significativamente maiores. Enfrentamos pois duas maleitas: um certo dogmatismo monetário e alguma insensibilidade social. O Banco Central Europeu é o novo expoente de ambas.
Muita gente, entre a qual me incluo, não consegue perceber bem por que há-de uma inflação moderada ser tão mais assustadora que um desemprego galopante. Mas não se trata apenas de uma visão distorcida dos nossos reguladores monetários: o que eles fazem é cumprir com excesso de zelo as missões insensatas que lhes foram confiadas.
Ora a economia não pode ser analisada apenas sou um ou dois prismas. É uma óptica de conjunto que lhe dá coerência e estabilidade. Razão pela qual os ministros da economia e das finanças da zona euro deveriam reunir regularmente com o presidente do Banco Central Europeu para construírem juntos uma política monetária adequada à evolução dos acontecimentos. Um procedimento muito simples e escandalosamente sensato, análogo ao que fazem os nossos amigos americanos. Nem que para isso seja necessário redefinir as missões do Banco e alterar os seus estatutos. Aliás, já é mais que tempo.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Brincar às taxas de juro (2)

O sacramental recurso à subida das taxas de juro para controlar a inflação tem tido consequências tão graves e negativas que se justifica zurzir de novo contra esta prática insensata entretanto tornada frequente e universal.
Antes de mais, é preciso atacá-la pelo seu exagero. Regra geral, os bancos centrais não se têm contentado com pequenos agravamentos das taxas de referência. Constatando que estes não produzem todo o efeito desejado, ou não percebendo que este pode demorar bastante tempo a manifestar-se, acumulam precipitadamente agravamentos sucessivos até eventualmente se aproximarem do dobro ou do triplo da taxa inicial a que começaram a aplicá los.
Para quem apenas raciocine em termos de taxas, um aumento de 25 pontos-base (ou seja, 0,25% em linguagem que toda a gente entenda) até pode não parecer nada do outro mundo. Mas se a taxa inicial, antes de quaisquer agravamentos, era de, digamos, 2,5% ao ano, esse pequeno acréscimo representa de facto um aumento de 10% dos encargos com juros que serão suportados por particulares e empresas. E cada pequeno aumento de mais 0,25% das taxas representará outro aumento de 10% nos encargos totais com juros. Se a taxa sobe gradualmente de 2,5% para 5%, por exemplo, o agravamento dos encargos com juros é de 100%, e assim sucessivamente. É simplesmente demolidor.
Vistos a esta luz, os desmandos dos bancos centrais chegam perfeitamente para explicar as falências provocadas em muitas empresas tecnológicas e outras fortemente dependentes do crédito, especialmente na sua fase de arranque, bem como os incumprimentos em massa no pagamento das amortizações de empréstimos bancários contraídos por particulares.
O caso é particularmente grave no segmento do crédito à habitação. Por um lado, as suas taxas de juro costumam ser substancialmente mais baixas do que as do crédito ao consumo e, portanto, qualquer pequena variação nelas tem logo um impacto percentual muito maior nos encargos suportados. Por outro lado, a amortização dos empréstimos habitacionais consome geralmente uma fatia importante dos rendimentos individuais ou familiares, permitindo a nossa lei reguladora que os respectivos encargos atinjam metade do rendimento bruto dos proponentes de tais empréstimos. Feitas as contas, e conjugando os dois efeitos, logo se percebe que os agravamentos sucessivos das taxas de juro têm um efeito devastador no nível de vida das famílias, na sua folga económica e na sua capacidade para suportar as obrigações assumidas.
Para além de inibir potenciais novas despesas, os agravamentos reiterados das taxas asfixiam gradualmente quem já antes as contraiu a médio ou longo prazo. São sucessivos golpes de machado em qualquer planeamento económico que antes se tenha feito. Não admira pois que advenham crises de grandes proporções no segmento do crédito imobiliário de alto risco. Prevê-las teria sido de elementar bom senso.
Quando os efeitos se tornam dramáticos, será tarde para muitos que os bancos centrais venham apressadamente emendar a mão e inverter a tendência. Uma parte do tecido económico terá sido irremediavelmente destruída por decisões impacientes e mal ponderadas.
Embora haja a intenção de estas manipulações das taxas de juro ajudarem a controlar os ciclos económicos, talvez se possa dizer, e é a própria experiência que o sugere, que são cada vez mais elas que os provocam ou, no mínimo, os agravam.