quarta-feira, 19 de março de 2008

PSD: um charco estagnado

Flutuando como um pedaço de cortiça à tona dos acontecimentos efémeros, ao sabor das pequenas marés que o levam e trazem, assim vai o PSD.
Nos seus bastidores acotovela-se gente que apenas pretende conquistar cargos políticos, lugares remunerados, nichos de influência ou, muito simplesmente, posicionar se melhor para a próxima oportunidade. Pelo menos que se veja ou que se oiça, já poucos defendem causas. As raras ideias que ainda estrebucham são as que se apresentam vocacionadas para a almejada reconquista do poder. Mas ao certo, ao certo, ninguém sabe muito bem o que se há-de depois fazer com ele, a não ser o tirar proveito das vantagens que proporciona.
O próprio Partido enquanto tal não sabe para onde quer ir. Tem actualmente três líderes, mas nenhuma liderança. Há quem mande na comissão política, no grupo parlamentar e no funcionamento interno do partido, mas a nau anda à deriva. O que significa que as suas figuras mais proeminentes no momento não são líderes de facto, pois só merecem esse epíteto os dirigentes que sabem definir metas e rumos, organizar, motivar, esboçar as estratégias e as tácticas, encabeçar iniciativas, pôr as tropas em movimento. Ora nada disso está a acontecer. As hostes continuam acantonadas nos seus pequenos acampamentos amuralhados, com pouco contacto e intercâmbio com o exterior, à espera que soem as trombetas para os assaltos eleitorais. O que se há-de dizer, escrever, defender, ainda não preocupa ninguém.
A um ano e tal de eleições, ninguém sabe o que o PSD defende para a reforma do sistema político, da educação, da saúde, da segurança social, da justiça, ou para estimular a actividade económica, o emprego, a investigação científica, o progresso tecnológico.
Ninguém sabe o que ele pretende para combater a corrupção, a delinquência, a criminalidade violenta, a guerra civil no trânsito, a imigração ilegal, a degradação do património ou do ambiente.
Ninguém vislumbra qual é a sua visão para a construção europeia, para o ordenamento do território, para a harmonia social, para a revitalização do interior.
É um partido neste estado que pretende no ano que vem desafiar o seu rival no poder, conquistar-lhe a maioria absoluta sem coligações, desalojá-lo dos muitos lugares apetecidos na administração e nas empresas públicas.
Aliás, há duas décadas que o PSD não actualiza sequer o seu programa político, como se isso não fosse necessário para nada. E para quem, em política, está apenas habituado a fazer o que se chama navegação à vista, não é. Basta ir espreitando os acidentes da costa e os recifes em volta. Quanto ao destino a atingir, logo se verá. Se é que é mesmo necessário saber para onde se ruma…
Assim vão as coisas nesta província do reino da parvónia.

domingo, 9 de março de 2008

Sobre a avaliação dos professores

As recentes pretensões do Governo em avaliar individualmente o desempenho de toda a classe docente, alicerçadas em boas intenções teóricas, desembocam em meandros absolutamente insensatos e em pormenores que só podem classificar-se como surrealistas.
Se o objectivo fosse a boa gestão das escolas, haveria que pensar com seriedade na relação custos-benefícios. Se fosse também a melhoria dos resultados escolares, seria necessário poder demonstrar que uma coisa tem relação com a outra. Ora não parece que alguém tenha feito esse estudo prévio. Trata-se apenas de política pura e dura. Pior ainda é que algumas das medidas avulsas que se pretende pôr em prática sejam, no mínimo, bizarras.
Por exemplo: se muitos professores leccionam mais de 500 ou 600 horas por ano lectivo, poderá cada um deles ser avaliado pelo que faz em 4 ou 5 aulas assistidas, ainda por cima sujeitas a aviso prévio?
Muitos dos factores que influenciam o aproveitamento escolar dos alunos, tais como ambiente familiar, condições logísticas, regime alimentar e de sono, métodos e disciplina de estudo, quociente intelectual, empenho e persistência, eventuais explicações externas, motivações pessoais, antecedentes escolares, deficiências anteriores acumuladas e não resolvidas, actividades extra escolares, etc, não são da responsabilidade do professor actual que lhes lecciona um determinado programa, o qual só pode responder pela qualidade média das suas aulas ao longo do ano e pela adequação dos instrumentos de avaliação por si utilizados. Ora faz sentido, nestas circunstâncias, que a qualidade do desempenho dos docentes seja deduzido do nível de resultados dos seus alunos, permeáveis a tantas outras influências e condicionantes que lhe são alheias?
Ainda mais intrigante: fará sentido que muitos professores venham a ser avaliados por colegas com idêntica formação, idênticos conhecimentos, idêntica experiência, idêntica qualificação profissional e sabe-se lá se com menor classificação académica?
Pergunto-me se já alguém pensou no enorme desperdício intelectual e financeiro de tantas horas de trabalho pagas que serão necessárias para garantir a assistência às aulas de muitas dezenas de milhares de professores, elaborar e analisar os respectivos relatórios, submetê-los à aprovação de instâncias superiores, etc, etc…
Sejamos práticos: não é realmente de esperar que melhore o desempenho da classe docente, se esta andar cada vez mais assoberbada a participar em reuniões inúteis, a elaborar actas e relatórios, a preencher fichas e inquéritos, a assegurar parte do funcionamento burocrático das escolas ou a frequentar acções de formação que em regra não servem para nada, em vez de poder dedicar o seu tempo não lectivo àquilo que verdadeiramente importa, que é, além do apoio personalizado aos alunos, o estudo e a preparação das aulas.
Não é de uma avaliação dos professores que estamos a necessitar com maior urgência, mas sim de uma avaliação severa do próprio Ministério da Educação.
Por alguma razão o nosso sistema educativo está em penúltimo lugar no conjunto dos países da OCDE. Atrás de nós, imagine-se, só o México... E não parece que a culpa seja dos professores. Esses até denunciam porquê, mas nenhum ministro os ouve.

As prioridades na educação

Cabe na cabeça de alguém medianamente sensato (já não digo lúcido) que os responsáveis governamentais venham agora importunar e perseguir os professores com absurdas e burocráticas exigências de avaliação do desempenho, que se adivinham desde já totalmente improdutivas, quando sucessivos e incontáveis governos, incluindo o actual, têm vindo propositadamente a baixar o nível de exigência sobre os estudantes, que são aqueles em quem ela deveria recair em primeiríssimo lugar?
Tem cabimento pedir cada vez mais aos professores, quando se exige cada vez menos aos alunos?
Parece que não houve nada que não se inventasse já para reduzir artificialmente o insucesso escolar, em detrimento das aprendizagens e em benefício das estatísticas. Só falta os professores que reprovam alunos terem processos disciplinares, serem despedidos ou enfrentarem o pelotão de fuzilamento.
Estamos a tentar tapar o sol com a peneira.
Em mais de trinta anos de regime democrático, sucessivos ministérios de variados quadrantes não têm sabido reformar currículos, actualizar programas, modernizar as recomendações metodológicas, melhorar os sistemas e as escalas da avaliação. Ora, antes de mais, é disso que a educação precisa.
Quanto à pretendida melhoria de desempenho dos docentes, ela resultará em parte, necessária e indirectamente, de uma maior exigência na avaliação dos alunos. Noutra parte, resultará da modernização tecnológica dos meios educativos. Noutra parte ainda, provirá de um bom sistema de formação contínua dos professores, que nenhuma equipa ministerial até hoje soube conceber e pôr em prática. E por fim, de forma meramente residual, resultará de um bom sistema de inspecção do funcionamento escolar.
Se, conseguido tudo isto, um qualquer processo de avaliação do desempenho individual dos professores ainda puder acrescentar algum efeito útil que justifique a exorbitância dos seus custos, eu ficarei muito surpreendido. Mas até prova em contrário, uma tal pretensão goza da presunção de redundância. É um enorme desperdício de energias e de meios que se poderia canalizar para outros fins, com muito mais eficácia e proveito.