O nosso país parece ser pródigo em diagnósticos inteligentes e remédios tolos, em análises lúcidas e soluções ingénuas.
Veio de novo gente a terreiro defender a reforma do sistema político, verdadeira necessidade nacional, mas quem o fez não encontrou maior prioridade do que a criação de círculos eleitorais uninominais. O que, diga-se de passagem, não só não constitui uma prioridade, como promete os resultados mais aberrantes.
Quem nunca estudou ciência política fica desculpado por ignorar que, já há mais de duzentos anos, havia entre os primeiros constitucionalistas norte-americanos (os autores dos Federalist Papers que forneceram a seiva intelectual da Constituição americana) quem fizesse notar que, para dificultar a corrupção política, deveria haver uma prudente distância entre o eleitorado e os seus representantes, de modo que as relações e os vínculos pessoais interferissem o menos possível na actuação daqueles.
Por cá pretende-se seguir o caminho inverso. Defende-se uma relação cara a cara entre os eleitos e os seus votantes, pretende-se até que haja horários de contacto e atendimento pessoal. O deputado ficaria assim transformado numa espécie de mandatário, obrigado a servir os interesses de quem o elegesse.
Quem pensa que tudo iria correr bem à velha maneira inglesa deve estar equivocado, porque nós não somos ingleses nem temos a mentalidade ou as tradições deles. Somos portugueses, com hábitos arreigados de nepotismos, clientelas, caciquismos, conluios, negociatas, favores e compadrios, demagogias e venalidades; acaso queremos transportar tudo isso para uma relação mais próxima entre eleitores e eleitos? Pelo contrário, uma tal relação deve ser o mais distanciada possível – no sentido, obviamente, de distanciada das pessoas e não dos seus problemas.
A regra para os círculos eleitorais deve ser a de eles corresponderam ao âmbito dos mandatos: para órgãos de freguesia, a própria freguesia; para órgãos municipais, o concelho; para órgãos regionais, a região; para órgãos nacionais, o país. É incongruente pugnar por um arranjo diferente. Que sentido faz que um deputado vá defender interesses locais para o Parlamento, a quem cabe zelar pelo interesse geral de todo o país? Não faltariam, como já se viu, deputados a chantagear governos, a condicionar leis e orçamentos, a institucionalizar a troca de favores para satisfazer interesses municipais ou petições particulares de pessoas e empresas da sua zona eleitoral. É esse o caminho a seguir? Eis a questão nua e crua: a assembleia nacional deve representar toda a nação e zelar pelo interesse geral ou a sua função é servir de megafone para clientelas meramente locais? É isso que temos de decidir.
A solução correcta, ainda por poucos defendida, é a criação de um círculo nacional único para a eleição dos deputados à Assembleia da República. Isso contribuirá também para clarificar hierarquias dentro dos partidos. De caminho, evita-se um pouco do ridículo a que se tem assistido com a dança arbitrária dos lugares, as movimentações de nomes entre distritos, os folhetins da escolha dos cabeças-de-lista e outros episódios inenarráveis da política à portuguesa, que só não contribuem para desprestigiar ainda mais as nossas instituições porque o baixo nível a que estas chegaram já não o permite.