sábado, 25 de fevereiro de 2006

A miragem da integração

Face aos tumultos e às violências de vários géneros e origens que muçulmanos fanáticos têm desencadeado, um pouco por toda a parte, contra interesses e embaixadas e símbolos ocidentais, por um motivo tão bizarro quanto o são umas meras caricaturas de um profeta, parece que algo de novo começa a surgir nas consciências europeias.
Em primeiro lugar, o medo de assumir os seus princípios básicos e comuns, por causa das retaliações islâmicas e dos motins de rua. Desde que eles começaram, não pouca gente apareceu entretanto disposta a sacrificar a liberdade de imprensa, o direito à crítica religiosa e à livre expressão de ideias anticonfessionais. Em suma: disposta a acolher um recuo intelectual e jurídico de três séculos, pelo menos, até ao período pré-iluminista. A Europa está visivelmente intimidada com a violência dos muçulmanos e isso não é bom sinal, nem para nós nem para eles.
Em segundo lugar, já se diz que estamos a assistir à queda do mito do multiculturalismo, que a Europa pós-politicamente correcta começa agora e ainda que a Europa perdeu definitivamente a inocência. Era bom que assim fosse…
Mas permito-me discordar. Os preconceitos não cedem assim tão facilmente. O mito do multiculturalismo sofreu agora um importante revés, mas ainda está para durar. O politicamente correcto, como todos os sistemas de tabus entrelaçados, vai aguentar de pedra e cal. E até a inocência europeia arranjará maneira de sobreviver a esta escandalosa violação dos seus princípios, nem que seja reconstruindo discretamente o hímen da sua hipocrisia.
A prova mais concludente está nas soluções para a crise que muitas mentalidades bem pensantes, desde políticos e sociólogos até jornalistas e pessoas comuns dotadas de opinião aparentemente própria, propõem de novo aos quatro ventos. E sem se darem conta, até algumas cabeças independentes se deixam resvalar para o mesmo atoleiro de conceitos, prognósticos e terapêuticas.
Diz-se, por exemplo, que fechar as fronteiras deixou há muito de ser uma solução e que a saída que nos resta é a plena integração dos imigrantes recalcitrantes, com tudo o que isso implica. E o que implica, logo se esclarece em ladainha ritual, é o acesso à educação e ao emprego em perfeita igualdade de circunstâncias, para que se sintam iguais socialmente e para que se lhes possa exigir, como dever de reciprocidade, o respeito pela lei das sociedades em que vivem (o que parece significar que, noutras circunstâncias, já não se lho pode exigir!). Outros opinam, mais afoitamente, que é preciso facilitar ainda mais as autorizações de residência e o acesso à nacionalidade. Ora tudo isto não é ainda tão deliciosamente multicultural?
O problema não está em facilitar ou subsidiar ainda mais a integração dos imigrantes problemáticos. O problema, entenda-se de uma vez por todas, está em que uma larga percentagem deles não quer de facto integrar-se, mas sim implantar ou infiltrar na nossa cultura os valores e os procedimentos da sua. Muitos deles querem usufruir dos benefícios económicos que a nossa maior prosperidade lhes possa proporcionar, mas não querem assimilar as nossas regras éticas e cívicas. Querem ter a oportunidade de ganhar mais dinheiro e de consumir mais, não querem aprender nem respeitar as nossas leis e costumes. Quando muito, pretendem integrar-se economicamente, mas não socialmente. Quanto a normas sociais, querem conservar as suas de origem; as nossas, contornam-nas como podem, infringem-nas quando lhes apraz.
E quem são essas comunidades de imigrantes maioritariamente refractárias à assimilação? Em Portugal, são as mesmas do costume. Os outros imigrantes integram-se sem problemas de maior, na sua maioria, desde que encontrem trabalho. Noutros países anfitriões europeus, as comunidades problemáticas são também as do costume. Mas, tal como aqui, é tabu dizê-lo em voz alta. Também não é indispensável nomeá-las: toda a gente sabe quais são.
Que fazer? Não adianta oferecer mais possibilidades de integração a quem assumidamente não quer integrar-se, mas hostilizar e fazer vergar a cultura anfitriã. O problema não é deles, porque sabem o que querem: prevalecer. E sabem que o podem conseguir cada vez mais pela via demográfica ou pela pressão demagógica, ou por ambas. O problema é nosso, que temos tanto medo de ser acusados de racismo ou xenofobia que já não somos capazes de excluir ninguém, nem sequer de falar nisso abertamente. Temos até pruridos em falar de uma imigração selectiva.
Infelizmente, a questão é mesmo essa: temos de começar a mandar embora os indivíduos indesejáveis e a impedir drasticamente a vinda de outros. E começar, sem apelo nem agravo, pelos que incitam à violência e à intolerância agressiva. De contrário, as coisas só vão piorar.
Pergunta final: quantas vezes precisaremos de ser violados cívica e culturalmente, nós europeus, para perdermos de vez a inocência?

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Uma Visão da Europa I

Em busca de uma identidade
Da Gronelândia ao Afeganistão, do Ártico ao Sara


Novo livro de Rui Valada:

ÍNDICE: 1. A questão das fronteiras – 2. Há uma matriz cultural europeia? – 3. Um pouco de retrospectiva – 4. O espírito europeu – 5. Unida pelo sonho, dividida pela História – 6. Um conceito operacional da Europa – 7. Duas visões institucionais – 8. Em prol de uma língua comum – 9. Os novos problemas

Este livro, talvez o mais surpreendente e controverso alguma vez escrito sobre a Europa, encosta à parede a maiorparte dos nossos lugares-comuns relacionados com o tema. Não só antecipa a inevitabilidade de um vasto alargamento europeu a sul e a leste, integrando a prazo todo o mundo muçulmano da orla mediterrânica, como coloca as fronteiras meridionais da Europa no Sara (e não no Mediterrâneo)e as suas fronteiras orientais para lá do Golfo Pérsico. De fora, fica a referência obrigatória a uma matriz cultural judaico-cristã.
Negando aliás a existência de uma verdadeira matriz cultural europeia, e por isso sublinhando a necessidade da sua criação artificial através da educação e da acção política concertada, defende ainda a urgência de instituir uma língua verdadeiramente comum, a aprender desde os bancos de escola a par da língua materna.
Em contrapartida, alerta contra os enormes perigos de um avanço institucional e territorial demasiado rápido, dos contrastes internos de riqueza, de uma política monetária demasiado restritiva e de um cosmopolitismo apenas ilusório; e critica a absoluta falta de visão dos dirigentes políticos que têm permitido uma imigração caótica e muito pouco selectiva, prestes a abrir fissuras irremediáveis no tecido social europeu.
Assumindo-se como profético, mas de um realismo impiedoso, este livro arrisca-se a relançar o debate europeu num novo patamar de análise e de controvérsia, agora que as instituições pareciam emperrar devido à emergência progressivamente mais descarada dos egoísmos nacionais.
Uma leitura recomendada para quem não queira ficar amarrado às perspectivas obsoletas de um ciclo político que está prestes a concluir-se.

Graal Editores, 176 pp., 15,5 x 23 cm, ISBN: 972-8977-00-X, € 16,10

Encomendar