Um desses princípios fundamentais em política é a honestidade. Relegada para o baú das ingenuidades ideológicas, sobrepôs-se-lhe facilmente o gosto pelas promessas fáceis, pelas manobras de bastidores pouco escrupulosas, pelas tácticas dúbias que parecem propiciar melhor as vitórias eleitorais. Os eleitores sabem que é assim e parecem conformados, mas isso resulta sobretudo de se sentirem impotentes.
Haverá porém algo que se possa fazer para reduzir a margem de actuação da mentira, da corrupção, da falta de escrúpulo? Haverá alguma regra que permita inviabilizar a trapaça e o descaramento impúdico? Pelo menos em certos domínios, há.
Uma regra possível consiste em interditar constitucionalmente aos partidos que a sua actuação governativa vá em sentido contrário ao do programa eleitoral com que se apresentaram a sufrágio, excepto com uma prévia autorização parlamentar.
O objectivo óbvio de uma tal regra é evitar que se minta tanto aos eleitores durante as campanhas eleitorais. Ainda que não inviabilize a demagogia e as promessas populistas, nem desencoraje as opções arrevesadas que mais facilmente rendem votos, impede pelo menos que se faça no governo exactamente o contrário do que se prometeu fazer antes de nele entrar. E ao dizer isto, salta-me imediatamente à memória o exemplo recente de um certo líder partidário que prometeu uma redução drástica de impostos (até lhe chamou enfaticamente "choque fiscal") e uma das primeiras medidas que tomou, depois de eleito, foi precisamente o agravamento deles. Houve "choque fiscal", sem dúvida, mas ao contrário do que se esperava.
Não é de excluir que circunstâncias conjunturais prementes e indisfarçáveis obriguem um governo a mudar de rumo, em relação ao previsto e prometido. Pode acontecer. Mas o princípio básico da honestidade postula que as promessas eleitorais são para cumprir, o que é o mesmo que dizer que não é legítimo mentir aos eleitores. E isso significa que só com carácter excepcional deve um governo ser autorizado a desviar-se do seu próprio programa eleitoral.
Se alguém o deve autorizar, avaliando a excepcionalidade das circunstâncias e outorgando a legitimidade das medidas desviantes, a instituição própria para o fazer é o Parlamento. Mas para que um partido ou coligação dominantes não possam consegui-lo levianamente, deve a Constituição exigir uma maioria qualificada para o efeito (na minha opinião, não inferior a dois terços dos votos parlamentares).
Uma regra destas, não resolvendo tudo, sempre resolveria alguma coisa.