Num artigo recente, defendi que uma solução possível para salvaguardar a garantia da governabilidade, em caso de abolição da disciplina de voto partidária, seria a exigência de uma maioria qualificada para que uma moção de censura pudesse derrubar o governo. Não especifiquei percentagens, mas é evidente que a fasquia da estabilidade pode ser constitucionalmente colocada em diversos patamares: sessenta por cento, dois terços, setenta por cento, três quartos dos votos, etc, ao gosto do que forem os ventos dominantes aquando da reforma constitucional que será necessária para instituir uma tal regra.
Assim, ficaria qualquer governo ao abrigo de maiorias parlamentares flutuantes ou instáveis, potencialmente devidas ao facto de o Executivo não conseguir assegurar a coesão e a disciplina partidárias numa votação desse tipo. Embora, sopesando a experiência e a nossa tradição política, seja difícil acreditar que, num momento crítico como esse, estando em risco a sobrevivência do governo em funções, a disciplina partidária deixasse de actuar espontaneamente, apenas pelo simples facto de já não ser obrigatória. Só um poder executivo irredutível e encurralado, indisponível para negociações intra-partidárias, correria assim o risco de perder uma parte substancial da sua própria base de apoio, o que não deixaria de ser uma circunstância de cariz muito excepcional.
Contudo, a abolição total da disciplina de voto não é a única hipótese a considerar. Talvez ela não seja sequer indispensável para uma substancial melhoria da actividade parlamentar, desde que aos deputados seja assegurada a liberdade de opinião e de voto numa larga maioria de questões. Desse modo, também as bancadas dos partidos no poder poderiam exercer a sua função crítica, fiscalizadora, de filtragem técnica e política, sem que as suas discordâncias pontuais com o Governo fizessem pairar o espectro da eventual derrocada deste.
Para assegurar a governabilidade, bastaria que a disciplina de voto ficasse confinada à votação de moções de confiança ou de censura, ou eventualmente pouco mais (embora com relutância, e como solução de compromisso pragmática com os mais receosos de eventuais impasses políticos, aceitaria também que a disciplina de voto se estendesse à votação do orçamento do Estado, sobretudo no caso de vir a vingar essa ideia infeliz de criar círculos uninominais, susceptível de pôr os próprios deputados da maioria a querer dar primazia aos interesses locais que protagonizem ou representem).
Se a abolição total da disciplina de voto parecer a alguns uma solução demasiado radical, por recearem os efeitos da liberdade de voto dos deputados na governabilidade do país, então a solução moderada consiste em limitar a disciplina de voto às poucas questões que põem realmente em causa a governabilidade.