Começo por dizer que votei em si no último congresso. Dei-lhe o benefício da dúvida, esperançado que trouxesse consigo algumas mudanças de fundo no PSD e não apenas as inevitáveis mudanças de rostos. Faço agora um paciente compasso de espera, até ver se me enganei ou não. Adiarei, pois, o meu juízo final.
No entanto, o tempo passa e quase tudo parece demasiado na mesma, excepto as equipas. Fase de preparação ou falta de élan inicial? Também o tempo o dirá. Mas já passou tempo suficiente para que algo mais fosse feito, ou anunciado, ou debatido internamente. Por enquanto, permanece o marasmo no pântano.
Muitos começam já a dizer à boca cheia que houve demagogia na sua campanha para presidente do partido, que muitas das promessas feitas não eram para cumprir. E nos tempos que correm, não há muitas coisas capazes de exasperar mais os eleitores ou os militantes partidários do que prometerem-nos lebre e darem-nos gato. Para já não falar da desfaçatez impune com que tal hábito se instalou.
Comecemos então pelas promessas ainda não cumpridas.
Na sua moção de candidatura à presidência do PSD, prometeu uma revitalização do trabalho partidário. Ainda nada se viu.
Prometeu promover um ciclo de debates, entre Outubro de 2007 e o verão de 2008, denominado "Ouvir o PSD/Ouvir Portugal". Mas já vamos em meados de Janeiro e ainda nada se debateu, nada se anunciou e ainda ninguém foi ouvido: nem o PSD, pelo menos no plano dos militantes de base, nem o país, pelo menos no que toca às forças vivas da sociedade civil. Que se saiba, só começaram a ser convocados os presidentes das comissões políticas de secção, há poucos dias, para reuniões à porta fechada.
Prometeu a participação dos militantes na escolha dos representantes do PSD em cargos de representação partidária (autarcas, deputados, eurodeputados). Mas todos sabem que isso, para ser verdade, implicará alterações estatutárias, e nem de tal se ouve falar. Ao que consta, o que se pretenderá é contornar a questão com um mero regulamento avulso a aprovar em conselho nacional, que decerto manterá a última palavra para as estruturas dirigentes, permitindo a estas continuar a escolher apenas os que lhe são afectos.
Prometeu um grande movimento nacional de angariação de novos militantes, mas também ainda nada disso se vislumbra.
Prometeu negociar a criação dos círculos uninominais para a eleição dos deputados, mas já rapidamente deixou cair a ideia. Neste aspecto, pelo menos, fez bem, livrando o país de uma tremenda asneira.
Defendeu um partido "aberto, plural, saudavelmente conflitual", mas agora insurge-se publicamente contra as declarações e movimentações dos críticos e aconselha-os a ter juízo.
Prometeu a revisão do regulamento financeiro do partido, mas pelos vistos ainda nem para isso houve tempo, passados mais de quatro meses sobre a sua eleição. Fez apenas constar que seria para breve. Parece pois que, daquilo que foi prometido, só ainda a descentralização do pagamento de quotas vem a caminho. Mas será isso que vai revitalizar o PSD?
A maioria das sedes concelhias permanece fechada ou inactiva durante períodos consideráveis, entrecortados apenas pelas esparsas movimentações eleitorais. Há pouca afluência, pouca actividade, poucos ideais.
Nada está em debate, porque no PSD já quase não se faz política séria a não ser no topo: o PSD tornou-se um partido de aparelho, deixou de ser um partido de militantes. Estes apenas são solicitados para almoços e jantares de apoio, sessões avulsas de campanha eleitoral, votações internas ou externas. Aliás, no PSD já pouco (e cada vez menos) se discute política, excepto quezílias e cargos. Em vez de debates, organizam-se comezainas. De há anos a esta parte, as ideias e os projectos têm sido substituídos por febras e sardinhadas.
No último congresso, não menos de doze moções reclamaram reformas internas no partido. Se elas vêm a caminho, ainda nem se divisam na linha do horizonte. E o mais provável é que não venham, pois logicamente seria agora a altura de arrumar a casa, e não após a "rentrée" do próximo Outubro, em que se inicia um novo ciclo eleitoral com agenda carregada.
Por isso, Dr. Luís Filipe Menezes, se realmente quer fazer reformas internas, como prometeu ou indiciou, faça-as quanto antes. Se quer dar um sinal de mudança à sociedade portuguesa, comece por demonstrar que é capaz de fazer mudanças relevantes dentro do seu próprio partido. Ou arrisca-se a não ter crédito suficiente quando precisar dele. Nem crédito, nem votos.
Desafio-o, portanto: mostre que está à altura do lugar para que foi eleito. E dê a conhecer melhor o que pensa fazer, já que muita gente votou em si sem o saber ao certo, apenas ávida de mudança.
Desafio-o, antes de mais, a explicitar as suas ideias e intenções em matéria de reforma estatutária e revisão programática, já que grandes alterações de fundo no interior do partido dificilmente podem dispensá-las. E convoque um congresso extraordinário para as levar a cabo antes do final do ano.
Desafio-o a dar voz aos militantes de base na escolha dos candidatos a autarcas, deputados e eurodeputados, instituindo o método das "primárias" e deixando cair o hábito perverso da designação.
Desafio-o a fomentar a concorrência política interna, deixando cair as barreiras normativas e burocráticas a ela, que as há, inclusive no livre acesso aos contactos dos filiados.
Desafio-o a promover um referendo interno sobre revisão constitucional, alteração das leis eleitorais e disciplina de voto, para se saber qual o sentimento dominante no partido a tal respeito.
Em suma: prove que não é apenas mais um dirigente de transição, demasiado entretido a olhar para o seu umbigo. Ausculte o partido, democratize-o por dentro, torne-o de novo aberto e actuante. Demonstre que não fez promessas à toa. Não vá dar-se o caso de os militantes tomarem mesmo juízo, conforme o seu conselho... e optarem por eleger um novo líder.
Recém-eleito que foi, a sua cabeça não está a prémio. Mas poderá vir a estar, mais cedo do que julga.
Mostre que é capaz de fazer as necessárias reformas internas e terá em mim um acérrimo defensor. Não as faça e terá em mim um encarniçado adversário. Precisamente daqueles que falam e escrevem para os jornais, já que até agora não ficou provado que adiante mais falar para si e para o seu séquito de colaboradores, nem para o resto do aparelho já bem instalado.
Os militantes do PSD não são súbditos. São (ou querem ser) cidadãos com voz activa. Trate-os como tal. O tempo dos caudilhismos já lá vai.