Uma notícia recente deu-nos conta de que o Tribunal Constitucional, em cumprimento da lei sobre os partidos políticos, notificou alguns deles para fazerem prova de que têm um mínimo de cinco mil militantes, sob pena de extinção. Os visados foram quase uma dezena de pequenos partidos que sobrevivem a custo no limbo do espectro político, muitos deles surgidos nos tempos conturbados do início da 2.ª República e que conheceram logo depois um acentuado declínio.
O que deve pôr-se em causa nesta questão não é a iniciativa do Tribunal Constitucional, se ela apenas resulta da aplicação da lei vigente. O que deve pôr-se em causa é a própria lei e a legitimidade de uma tal norma.
Todos sabemos que o comum dos cidadãos anda hoje bastante arredado das lides partidárias. Muitos dos filiados nos grandes e pequenos partidos políticos têm neles uma existência apenas fictícia ou meramente residual. Uns não pagam quotas há muito tempo nem participam nas actividades internas, a outros há quem lhes pague as quotas apenas para preservar a representatividade das secções, engrossar as claques eleitorais dos caciques ou manter o número de delegados aos congressos partidários.
É até sobejamente conhecido o fenómeno das inscrições fictícias de muitos dos que se apresentam a votar em eleições internas, pagos para o efeito em dinheiro vivo ou obsequiados com jantares e outros favores. Nem os cadernos eleitorais nem os votantes de cada partido constituem pois um critério fidedigno do número de militantes reais, sendo certo que o número dos militantes activos é sempre muito menor, tal como o demonstra a escassa frequência das sedes e das secções. Na realidade, nem os próprios partidos sabem quantos militantes têm verdadeiramente.
Mas este não é o principal argumento que se pode esgrimir contra as pretensões da lei, quaisquer que elas sejam. O pior é que elas se baseiam no pressuposto implícito de que a representatividade ou relevância dos partidos se aferem pelo seu número de militantes, sejam eles activos ou não, em vez do número de votos que são capazes de obter em sufrágio nacional. Eis a perversão.
Aliás, é bem possível que dois dos partidos actualmente com assento na Assembleia da República não atinjam de facto o número mínimo de militantes que a lei prevê. Deveriam eles perder com isso o direito à existência, se a militância fosse quantificada com absoluta seriedade? É evidente que não. A representatividade dos partidos é aferida pelo voto e não pela militância, algo que aprendemos logo desde os alvores do actual regime. E a inegável falta de representatividade de alguns é publicamente atestada pela ausência de representação parlamentar. É o que basta, não sendo necessário condená-los à extinção por isso. Aliás, é sempre preferível que as correntes minoritárias ou ultraminoritárias se exprimam pelos mecanismos normais da democracia do que à margem deles.
Para rematar, o que mais importa não é o número de militantes em cada partido, mas a qualidade deles. Em teoria, porque há-de um pequeno partido de quadros, por exemplo, ser menos útil à democracia do que um grande partido de massas?