O sacramental recurso à subida das taxas de juro para controlar a inflação tem tido consequências tão graves e negativas que se justifica zurzir de novo contra esta prática insensata entretanto tornada frequente e universal.
Antes de mais, é preciso atacá-la pelo seu exagero. Regra geral, os bancos centrais não se têm contentado com pequenos agravamentos das taxas de referência. Constatando que estes não produzem todo o efeito desejado, ou não percebendo que este pode demorar bastante tempo a manifestar-se, acumulam precipitadamente agravamentos sucessivos até eventualmente se aproximarem do dobro ou do triplo da taxa inicial a que começaram a aplicá los.
Para quem apenas raciocine em termos de taxas, um aumento de 25 pontos-base (ou seja, 0,25% em linguagem que toda a gente entenda) até pode não parecer nada do outro mundo. Mas se a taxa inicial, antes de quaisquer agravamentos, era de, digamos, 2,5% ao ano, esse pequeno acréscimo representa de facto um aumento de 10% dos encargos com juros que serão suportados por particulares e empresas. E cada pequeno aumento de mais 0,25% das taxas representará outro aumento de 10% nos encargos totais com juros. Se a taxa sobe gradualmente de 2,5% para 5%, por exemplo, o agravamento dos encargos com juros é de 100%, e assim sucessivamente. É simplesmente demolidor.
Vistos a esta luz, os desmandos dos bancos centrais chegam perfeitamente para explicar as falências provocadas em muitas empresas tecnológicas e outras fortemente dependentes do crédito, especialmente na sua fase de arranque, bem como os incumprimentos em massa no pagamento das amortizações de empréstimos bancários contraídos por particulares.
O caso é particularmente grave no segmento do crédito à habitação. Por um lado, as suas taxas de juro costumam ser substancialmente mais baixas do que as do crédito ao consumo e, portanto, qualquer pequena variação nelas tem logo um impacto percentual muito maior nos encargos suportados. Por outro lado, a amortização dos empréstimos habitacionais consome geralmente uma fatia importante dos rendimentos individuais ou familiares, permitindo a nossa lei reguladora que os respectivos encargos atinjam metade do rendimento bruto dos proponentes de tais empréstimos. Feitas as contas, e conjugando os dois efeitos, logo se percebe que os agravamentos sucessivos das taxas de juro têm um efeito devastador no nível de vida das famílias, na sua folga económica e na sua capacidade para suportar as obrigações assumidas.
Para além de inibir potenciais novas despesas, os agravamentos reiterados das taxas asfixiam gradualmente quem já antes as contraiu a médio ou longo prazo. São sucessivos golpes de machado em qualquer planeamento económico que antes se tenha feito. Não admira pois que advenham crises de grandes proporções no segmento do crédito imobiliário de alto risco. Prevê-las teria sido de elementar bom senso.
Quando os efeitos se tornam dramáticos, será tarde para muitos que os bancos centrais venham apressadamente emendar a mão e inverter a tendência. Uma parte do tecido económico terá sido irremediavelmente destruída por decisões impacientes e mal ponderadas.
Embora haja a intenção de estas manipulações das taxas de juro ajudarem a controlar os ciclos económicos, talvez se possa dizer, e é a própria experiência que o sugere, que são cada vez mais elas que os provocam ou, no mínimo, os agravam.