Em meia dúzia de anos, o euro praticamente duplicou o seu valor em relação ao dólar americano. Hoje, sem dúvida, os europeus podem vangloriar-se de ter uma "moeda forte". Mas será isso motivo de verdadeiro regozijo?
Uma moeda que se tornou demasiado "forte" está a ter consequências muito pesadas. Na verdade, o que uma valorização tão excessiva significa é que as nossas exportações para o mercado americano duplicaram de preço para os respectivos consumidores, enquanto as nossas importações vindas de lá baixaram para cerca de metade do seu custo. Não creio que seja uma boa notícia para os exportadores e os produtores europeus, nem para os nossos mercados de emprego. Tornou-se tão barato ir fazer compras à América que o fenómeno se tornou moda. Pode haver quem lucre com esta distorção, mas a maioria perde. A comprová-lo, estão os agravamentos inéditos dos nossos défices comerciais.
Será que o Banco Central Europeu cumpriu plenamente a sua missão, ao permitir que tal acontecesse? Pode dizer-se que sim, porque lhe atribuíram como uma das suas missões prioritárias tornar o euro uma moeda consistente e credível. Não há dúvida que isso foi conseguido, com inegáveis laivos de exagero. Não era necessário tanto, nem sequer conveniente. Muitas empresas europeias vão pagar dramaticamente esta falta de senso, com uma perda abrupta da sua competitividade.
Outra vocação estatutária do Banco Central Europeu é a de combater a inflação. Muitos analistas lhe têm reconhecido nisso alguma eficácia, mas à custa de asfixiar o consumo, o investimento e, por conseguinte, o emprego, através da subida das taxas de juro e das restrições monetárias. Será essa a política adequada para os tempos que correm?
A inflação talvez tenha sido outrora o problema maior das economias europeias. Actualmente não é, e nada justifica as preocupações empoladas e as considerações alarmistas que geralmente vêm fazer cortejo a qualquer subida de uma ou duas décimas percentuais nos preços. O problema maior de hoje é o desemprego, que cresce a um ritmo alarmante, e que deriva desse outro que lhe subjaz, a incapacidade de um crescimento económico mais enérgico. Mas em relação ao desemprego tem-se constatado uma assinalável tolerância e condescendência, mesmo em relação a variações percentuais significativamente maiores. Enfrentamos pois duas maleitas: um certo dogmatismo monetário e alguma insensibilidade social. O Banco Central Europeu é o novo expoente de ambas.
Muita gente, entre a qual me incluo, não consegue perceber bem por que há-de uma inflação moderada ser tão mais assustadora que um desemprego galopante. Mas não se trata apenas de uma visão distorcida dos nossos reguladores monetários: o que eles fazem é cumprir com excesso de zelo as missões insensatas que lhes foram confiadas.
Ora a economia não pode ser analisada apenas sou um ou dois prismas. É uma óptica de conjunto que lhe dá coerência e estabilidade. Razão pela qual os ministros da economia e das finanças da zona euro deveriam reunir regularmente com o presidente do Banco Central Europeu para construírem juntos uma política monetária adequada à evolução dos acontecimentos. Um procedimento muito simples e escandalosamente sensato, análogo ao que fazem os nossos amigos americanos. Nem que para isso seja necessário redefinir as missões do Banco e alterar os seus estatutos. Aliás, já é mais que tempo.