As recentes pretensões do Governo em avaliar individualmente o desempenho de toda a classe docente, alicerçadas em boas intenções teóricas, desembocam em meandros absolutamente insensatos e em pormenores que só podem classificar-se como surrealistas.
Se o objectivo fosse a boa gestão das escolas, haveria que pensar com seriedade na relação custos-benefícios. Se fosse também a melhoria dos resultados escolares, seria necessário poder demonstrar que uma coisa tem relação com a outra. Ora não parece que alguém tenha feito esse estudo prévio. Trata-se apenas de política pura e dura. Pior ainda é que algumas das medidas avulsas que se pretende pôr em prática sejam, no mínimo, bizarras.
Por exemplo: se muitos professores leccionam mais de 500 ou 600 horas por ano lectivo, poderá cada um deles ser avaliado pelo que faz em 4 ou 5 aulas assistidas, ainda por cima sujeitas a aviso prévio?
Muitos dos factores que influenciam o aproveitamento escolar dos alunos, tais como ambiente familiar, condições logísticas, regime alimentar e de sono, métodos e disciplina de estudo, quociente intelectual, empenho e persistência, eventuais explicações externas, motivações pessoais, antecedentes escolares, deficiências anteriores acumuladas e não resolvidas, actividades extra escolares, etc, não são da responsabilidade do professor actual que lhes lecciona um determinado programa, o qual só pode responder pela qualidade média das suas aulas ao longo do ano e pela adequação dos instrumentos de avaliação por si utilizados. Ora faz sentido, nestas circunstâncias, que a qualidade do desempenho dos docentes seja deduzido do nível de resultados dos seus alunos, permeáveis a tantas outras influências e condicionantes que lhe são alheias?
Ainda mais intrigante: fará sentido que muitos professores venham a ser avaliados por colegas com idêntica formação, idênticos conhecimentos, idêntica experiência, idêntica qualificação profissional e sabe-se lá se com menor classificação académica?
Pergunto-me se já alguém pensou no enorme desperdício intelectual e financeiro de tantas horas de trabalho pagas que serão necessárias para garantir a assistência às aulas de muitas dezenas de milhares de professores, elaborar e analisar os respectivos relatórios, submetê-los à aprovação de instâncias superiores, etc, etc…
Sejamos práticos: não é realmente de esperar que melhore o desempenho da classe docente, se esta andar cada vez mais assoberbada a participar em reuniões inúteis, a elaborar actas e relatórios, a preencher fichas e inquéritos, a assegurar parte do funcionamento burocrático das escolas ou a frequentar acções de formação que em regra não servem para nada, em vez de poder dedicar o seu tempo não lectivo àquilo que verdadeiramente importa, que é, além do apoio personalizado aos alunos, o estudo e a preparação das aulas.
Não é de uma avaliação dos professores que estamos a necessitar com maior urgência, mas sim de uma avaliação severa do próprio Ministério da Educação.
Por alguma razão o nosso sistema educativo está em penúltimo lugar no conjunto dos países da OCDE. Atrás de nós, imagine-se, só o México... E não parece que a culpa seja dos professores. Esses até denunciam porquê, mas nenhum ministro os ouve.