A propósito da reforma do sistema eleitoral, tem-se falado muito ultimamente de "personalização do voto". Quaisquer que sejam os seus contornos, a ideia parece boa, pois a despersonalização do voto afigura-se que seja sempre pior.
Mas, para produzir efeitos úteis, a intenção subjacente não pode limitar-se a que, nos actos eleitorais, deixemos de apenas pôr uma cruzinha num dos partidos concorrentes e possamos também expressar preferências por uns candidatos em detrimento de outros, dentro da lista partidária em que votamos. De facto, este tipo de "voto preferencial" não resolve tudo. Aliás, por si só, talvez não resolva nem altere nada de fundamental.
O problema maior é que não basta personalizar o voto dos eleitores, fazendo-o recair em personalidades e não só em partidos. É também necessário personalizar o voto dos deputados, fazendo-o recair sobre as opções que realmente defendem em consciência e não sobre as que lhes são impostas pelas respectivas direcções parlamentares, estas por sua vez controladas pelos directórios partidários sem pejo nem grandes subtilezas.
De que serve afinal escolher entre um deputado e outro, dentro da mesma lista partidária, se o voto de qualquer deles nas sessões parlamentares for depois determinado de fora pela mesma estrutura de poder, no partido a que pertencem? Estaremos afinal a escolher o quê? Que tipo de preferência estaremos a demonstrar? Que preferimos a oratória de um à de outro candidato? Que apreciamos mais a figura e o estilo deste ou daquele? É curto, muito curto.
De pouco ou nada vale personalizar o voto dos eleitores sem personalizar também o dos eleitos, de modo que estes possam expressar e defender livremente as suas convicções nos debates e nas votações parlamentares, sem terem de recear depois represálias estatutárias por parte dos seus dirigentes partidários. E não vejo senão duas maneiras de o conseguir: acabar de vez com a disciplina de voto (ou, numa primeira fase, limitá-la a certas questões ideológicas consideradas essenciais) e fazer depender as nomeações para as listas partidárias de uma franca concorrência interna, através de eleições "primárias", em vez da tradicional escolha ou indigitação dos candidatos pelos órgãos dirigentes nacionais ou regionais.
Voto preferencial, sim, é uma boa ideia, vale a pena repeti-lo. Mas ele deve começar logo no interior das estruturas partidárias, quando se tratar de escolher, por eleição, os candidatos aos actos eleitorais extra-partidários. Sem isso, haverá apenas fumo sem fogo.
Máxima: uma maior democratização do sistema político deve começar, de preferência, dentro dos próprios partidos, que são hoje o sector menos democrático do sistema.