Algumas são óbvias: a evolução do papel social da mulher, que resvalou demasiado para estilos e padrões de vida masculinizados ou egocêntricos; a actual dificuldade de compatibilizar maternidade e carreira profissional, devido à inadequação das regras laborais e aos apoios insuficientes; a maior precariedade dos vínculos afectivos e matrimoniais, agravada por uma legislação civil e por uma jurisprudência que favorecem a irresponsabilidade nas separações e nos divórcios; a menor motivação para as dificuldades e para as compensações emocionais geradas pelos filhos, agora em confronto directo com múltiplas outras possibilidades de vida que exigem disponibilidade pessoal e liberdade de movimentos; o estilhaçamento da tradicional família alargada, que reduziu ou inviabilizou a contribuição prática das gerações mais idosas para os cuidados aos netos; a proliferação da sexualidade livre, em si mesma avessa a vínculos, compromissos e responsabilidades; e enfim, uma concepção hedonística e voraz da vida para a qual as satisfações supremas são as do gozo imediato e as realizações de curto prazo.
Outras causas são frequentemente invocadas, mas quando analisadas à lupa parecem apenas desculpas piedosas. Uma delas é a carestia de vida e os excessivos encargos económicos com os filhos. Se pensarmos, porém, que as gerações actuais têm o mais elevado nível de rendimentos de sempre, bastante superior ao de gerações precedentes, e que a taxa de fertilidade caiu drasticamente apesar disso, a conversa rui pela base. A precariedade do emprego também não é justificação suficiente. Outras gerações a tiveram maior, quando em regra apenas um dos cônjuges gerava rendimentos e não havia o actual nível de protecção ao desemprego. Diz-se também que as exigências com as crianças são hoje muito maiores. É verdade, mas nem isso impede que se atinjam níveis recordes de gastos supérfluos ou perdulários com elas. Sejamos, no entanto, condescendentes e juntemos também estas ao rol das causas comuns alegadas para o afunilamento reprodutivo.
Mas acrescentemos de imediato que o Estado se dispensa de fazer a sua parte, no que respeita aos incentivos fiscais. Quando existem, são tão insignificantes que não chegam para inflectir tendências. Pequenos abonos de família, pequenas deduções à colecta significam pouco mais que nada. São úteis para quem tem filhos, mas não convencem ninguém a tê-los.
A única política fiscal digna desse nome, no plano dos incentivos ao crescimento familiar, seria introduzir um regime de capitação extensivo aos descendentes. Quando um casal declara rendimentos, estes são divididos pelo coeficiente dois para determinação da taxa de imposto aplicável. Mas os filhos e outros dependentes não são considerados como pessoas adicionais, resumem-se a simples apêndices que proporcionam pequenos benefícios. Não há justiça nisso. O rendimento dos agregados familiares deveria ser dividido por um coeficiente igual ao número total dos seus membros, apurando-se algo equivalente a um rendimento tributável per capita. Assim sim, valeria a pena ter filhos, pelo menos de um ponto de vista fiscal, mesmo sem abonos ou deduções. E tornaria supérfluo penalizar as famílias sem eles, como já por aí se fala em desespero de causa.