Um certo político francês, um dos mais massacrados de sempre pelo jornalismo inclinado ao "politicamente correcto", escreveu peremptoriamente que a ausência de escolhas claras é a pior inimiga da democracia. Talvez haja um certo exagero no carácter superlativo desta afirmação, mas não o havia ao acrescentar que a democracia enfraquece quando já não há diferença substancial entre a maioria e a oposição, quando a esquerda e a direita deixam de ser fiéis aos seus valores, quando mais ninguém tem a coragem de fazer a política para a qual foi eleito.
A tal ponto as coisas chegaram, com o progressivo esvaziamento das convicções teóricas e doutrinárias, que a maioria do eleitorado já não espera muito mais da alternância democrática do que a substituição periódica dos governantes, de uma pequena franja dos parlamentares e de uma miríade de assessores, funcionários e gestores que constitui a clientela política das lideranças, acompanhando-as tal como a cauda de um cometa acompanha a sua cabeça. Com a mudança de protagonistas já não se espera uma mudança significativa de políticas, como se a política em si se tivesse actualmente reduzido a uma gestão mais ou menos pragmática dos assuntos correntes do Estado e da economia. Pior do que isso, já quase se não distingue entre política propriamente dita e a mera gestão dos assuntos públicos.
Há três sintomas disso. Um deles está na frequência com que a oposição clama querer fazer algo melhor que o Governo, mas não diferente. Outro reside na tendência obsessiva com que a "direita" e a "esquerda" fingem renunciar a sê-lo e travestir-se num "centro" algo indefinido e indistinto. Outro ainda encontramo-lo no descaramento subtil com que os políticos eleitos fingem assumir uma postura de Estado, alegadamente séria e responsável, para não correrem os riscos de assumir até às últimas consequências os imprevisíveis resultados das reformas que atabalhoadamente preconizaram nos seus programas e nas suas campanhas.
Essas são, sem dúvida, algumas das causas da crise actual da política. Já ninguém parece saber muito bem para que ela serve, excepto para fazer batota em favor dos interesses e ambições pessoais dos próprios protagonistas. Como agravante, as organizações partidárias estão a tornar-se cada vez mais opacas, esotéricas, fechadas e centralizadas, diminuindo as possibilidades de participação dos cidadãos no debate e no combate políticos. Não é um rumo auspicioso.
Poucos compreendem realmente o alcance do facto de se ter entranhado tão facilmente na gíria quotidiana a expressão e a convicção de que "quanto mais as coisas mudam, mais tudo fica na mesma". Porque, no que toca à política, ela existe precisamente para que alguma coisa mude de facto. É a simples gestão das coisas públicas, com a qual ela tende cada vez mais a ser confundida, que se ocupa de que elas fiquem na mesma, limitando-se a tentar optimizar o seu actual desempenho.