É muito simples: o PSD não é um partido político. Ou para ser mais exacto e explícito: dentro do PSD há vários partidos políticos que usam a mesma designação, os mesmos símbolos, as mesmas sedes, mas que são organizações diferentes.
Que periodicamente se coligam na mesma campanha eleitoral, mas que perseguem objectivos diferentes.
Que se julgam tentáculos de um mesmo corpo, mas que pertencem a famílias políticas diferentes ou que nem sequer sabem a qual pertencem, no arriscado e improvável pressuposto de todos pertencerem a alguma.
Que têm programas tão escandalosamente diferentes que andaram durante quase vinte anos a evitar mexer na melindrosa questão da actualização do programa "comum" que aparenta uni-los.
Que fazem entre si uma oposição muito mais feroz do que ao próprio Governo, com o mesmo grau de diferença que há entre o rosnar de um buldogue e o ladrido de um caniche.
Que têm os mesmos estatutos e regulamentos, mas que cada um deles usa à sua maneira, variando a receita e as dosagens à medida das respectivas conveniências e idiossincrasias.
Que, no plano interno, praticam entre si uma acirrada alternância democrática, apenas porque ainda não se deram ao incómodo de perceber que têm em comum o não gostarem de alternar e o cada vez menos lhes apetecer serem democráticos (e por isso mesmo, sempre que possível, evitando sê-lo).
Que gostam de encerrar sedes uns aos outros, de expulsar ou afastar militantes uns dos outros, de boicotar as iniciativas uns dos outros e, sempre que a oportunidade surja, de se insultarem desabridamente uns aos outros, como possível intróito para ameaças várias ou um par de estalos.
Que fomentam com zelo os seus gangues privativos, com especializações que podem ser diferentes ou tendencialmente comuns, uns actuando preferencialmente nos multibancos, outros nos loteamentos, outros nas extorsões aos construtores e empreiteiros, outros ainda na apropriação das mordomias partidárias, mas que são amiúde incapazes de improvisar uma estratégia comum para uma malfeitoria convenientemente organizada e mutuamente proveitosa.
No interior desta espantosa organização multifunções, tipo dez-em-um pelo menos, cada facção (ou seja, cada partido) tenta bloquear as inscrições dos novos militantes trazidos pelas outras, ao mesmo tempo que arrebata para as suas listas tudo quanto é bicho ou gente, desde o tio e o cunhado e o primo até ao gato e ao canário e àquele vagamente lembrado tio-avô que já morreu, mas que deixou o seu voto em testamento.
Este é o retrato do PSD na sua última versão conhecida, o chamado "estado da arte", desconhecendo-se ainda se o seu recente Congresso Nacional irá trazer algumas actualizações e aperfeiçoamentos.
Uma coisa parece certa: serão necessárias profundas reformas estatutárias e aquecer os ânimos suficientemente ao rubro para permitir a fusão destas várias entidades internamente coexistentes num único partido político. Algo que, no mínimo, introduza o fair-play, há muito ausente da maioria das jogadas.