segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Um mito desfeito

Os últimos anos têm-nos feito assistir à queda de uma das convicções mais habilmente insinuadas pela artificiosa conveniência de várias e sucessivas legislaturas: a de que tantos portugueses teriam de pagar impostos tão elevados porque havia muitos outros que, pura e simplesmente, não pagavam, e pelo menos outros tantos que pagavam bastante menos do que deviam. Ou seja, uns pagariam pelos outros.
Agora, após vários anos de feroz e enraivecida perseguição às fraudes e à evasão fiscal, a nossa perspectiva teve de mudar.
A azáfama das inspecções, a parafernália de meios informáticos utilizados, os refinamentos legislativos, a quantidade de processos em trâmites, o número de penhoras efectuadas, o volume das cobranças em atraso que foi sendo recuperado, o crescimento avantajado das receitas, tudo isso tem somado êxitos e recordes, segundo nos informam as muito apregoadas estatísticas da propaganda governamental.
Mas, surpresa das surpresas, os impostos não baixaram, nem as promessas do Governo para lá se encaminham. Pelo contrário, têm continuado a subir, de uma forma ou de outra. Nuns casos, por agravamento das taxas; noutros, por alargamento da sua base de incidência ou por actualização insuficiente dos respectivos escalões de tributação; noutros ainda, por eliminação de deduções e benefícios. E à margem deles, muitas taxas cobradas pelos serviços públicos registaram aumentos bem acima das percentagens oficiais da inflação.
Conclusão: a carga fiscal está agora mais distribuída, o grau de evasão diminuiu bastante, o Estado viu aumentar significativamente as suas receitas mesmo em período de fraco crescimento económico. Mas, em vez de descer, a carga global das contribuições e impostos cresceu também e passou a onerar ainda mais os rendimentos.
Isto só mostra o grau de voracidade fiscal que está entranhado até à medula nos hábitos perdulários do Estado que temos. Quanto mais houver, mais se gasta. E para que se possa gastar mais, a obsessão é sempre a de cobrar mais ainda. Parece pois distante e remoto o ano abençoado em que alguém nos anuncie, sem faltar à verdade, que o Estado gastou menos, em termos absolutos, do que no ano anterior e que se prepara para ainda maior austeridade. De qualquer modo, se tal ouvirmos, nem vamos acreditar.
E outra coisa se demonstra: que esta voracidade por impostos já não faz grandes distinções entre "direita" e "esquerda", entre socialismo e social-democracia, entre lideranças firmes e frouxas. Em termos fiscais, a palavra de ordem é arrecadar. Parece fora de questão fazer cortes drásticos nas despesas públicas, para além de operações meramente cosméticas, ou eliminar as funções supérfluas do Estado.
Assistiremos ainda a novas investidas, no sentido de o fisco se aproximar um pouco mais do confisco? É bem provável.