quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Imigração sofrida ou imigração escolhida?

Terão razão as várias lengalengas humanitárias que se rebelam contra a recusa de um visto de permanência no país a muitos dos estrangeiros que o solicitam? Será assim tão condenável escolher aqueles a quem damos permissão para ficar?
O objectivo de uma imigração selectiva não é penalizar preconceituosamente certas categorias de imigrantes, seja pelas suas origens étnicas ou convicções religiosas, seja por desfasamentos linguísticos ou falta de qualificações profissionais. Não se trata essencialmente de afastar, denegrir, recusar, embora essas possam aparentemente surgir como consequências incontornáveis, porque quando se escolhe algo, rejeita-se algo, quando se valoriza uma opção, desvaloriza-se outra.
O objectivo de uma imigração selectiva é promover um equilíbrio interno: entre a procura afluente de trabalho e a oferta disponível, entre as competências requeridas pelos empregadores e as qualificações comprovadas pelos potenciais candidatos, entre as carências regionais e os afluxos territoriais de mão-de-obra, entre as necessidades previsíveis e os contingentes admitidos, entre a cultura anfitriã e os costumes sociais dos recém chegados, entre as leis vigentes no país e o grau de predisposição conhecido das várias comunidades estrangeiras para acatá-las, entre as diversas expressões linguísticas divergentes e a defesa intransigente da língua nacional unificadora. Além do mais, porque essa distinção também conta, é indispensável velar por critérios de alguma proporcionalidade razoável entre a imigração com motivação laboral e a de simples reagrupamento familiar.
Há equilíbrios demográficos, religiosos, étnicos, culturais, económicos e linguísticos a preservar. O fluxo indiscriminado de gentes das mais variadas proveniências e civilizações pode fragilizá-los ou até destruí-los. Esses equilíbrios foram penosamente conseguidos após séculos de dolorosas vicissitudes históricas. Não passa pois de pura inconsciência colocá-los levianamente em risco, omitindo de propósito o facto de que nem todas as imigrações são iguais, nem na sua composição nem nos seus efeitos.
Aqueles que ingenuamente defendem que os países abastados deveriam limitar se a abrir escancaradamente as fronteiras a todos os desesperados e ambiciosos que anseiam encontrar acolhimento e trabalho bem pago, seja com que sacrifícios for, esquecem a colossal desproporção entre os recursos escassos de cada economia e os muitos milhões de interessados em procurar nela o seu recanto providencial, ou entre a limitada capacidade de absorção das nossas culturas consolidadas e a extrema incomodidade e virulência de certos costumes invasores, isto para já não falar dos inevitáveis recuos na segurança interna e nos níveis de civismo.
Deveria ser claro para todos que a Europa não pode albergar todo o Terceiro Mundo, nem sequer uma parte significativa dele. A dupla solução consiste em seleccionar dentro e investir fora. Em escolher a imigração que nos convém e promover mais desenvolvimento e oportunidades na sua terra para os que não podem vir e ficar. Que mais de razoável se pode fazer além disto?

sábado, 17 de janeiro de 2009

Ainda sobre os círculos uninominais

Se a reeleição dos deputados depende da sua posição nas listas, é natural que eles se preocupem sobretudo em agradar aos seus partidos. O contrário é que não seria de esperar. Mas quase toda a gente percebe que o desejável seria precisamente o contrário, isto é, que se preocupassem muito mais em agradar aos eleitores, dando expressão e suporte às suas necessidades, expectativas e anseios.
Argumenta-se que a culpa disto é do próprio sistema eleitoral, pois os eleitores têm muita dificuldade em saber quem são os deputados que os representam e, por isso, estão quase impossibilitados de os responsabilizar. Investindo contra moinhos de vento, há logo quem avance que a panaceia para esta maleita são os círculos uninominais, ou que se deveria enveredar por um sistema misto em que aqueles coexistissem com um círculo nacional, este último para compensar as distorções à proporcionalidade. Etc, etc, etc.
Cabe perguntar: enquanto persistir a disciplina de voto nos partidos políticos, adianta alguma coisa que os eleitores saibam quem é o deputado que representa o seu círculo? Terá esse deputado a capacidade de agir e votar pela sua cabeça, independentemente das instruções recebidas da sua direcção parlamentar, ou, no seu papel inconfessado de mero peão, fará basicamente o mesmo que faria qualquer outro no seu lugar, que é o mesmo que dizer, votará de acordo com as orientações que lhe derem, defenderá as posições que forem dominantes no aparelho partidário, mandará às urtigas as opções locais que forem inconvenientes para o seu partido como um todo? Afinal, o deputado conhecido irá pretender recompensa diferente daquela a que aspira o deputado desconhecido, a saber, a sua reeleição ou a ascensão na estrutura partidária, tendo em vista a continuação ou o "upgrade" das mordomias dos cargos políticos?
Segunda questão: se os círculos uninominais provocam distorções evidentes à proporcionalidade do sistema eleitoral, que maior democratização é que poderá resultar da formação de "maiorias artificiais" em que um maior número de eleitos não corresponde necessariamente a um maior número de eleitores apoiantes nem a uma maior representatividade política real?
A terceira questão já não é uma questão, é uma certeza. Um círculo nacional não compensa as distorções na representação proporcional criada pelos círculos uninominais, apenas a atenua. Porque um círculo nacional, apesar das manipulações a que pode ser sujeito, tende a gerar proporcionalidade, pois é também para isso que é concebido. Enquanto os círculos uninominais apenas tendem a gerar distorções a ela, apesar de serem concebidos para outra coisa completamente diferente.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Os equívocos do voto preferencial

A propósito da reforma do sistema eleitoral, tem-se falado muito ultimamente de "personalização do voto". Quaisquer que sejam os seus contornos, a ideia parece boa, pois a despersonalização do voto afigura-se que seja sempre pior.
Mas, para produzir efeitos úteis, a intenção subjacente não pode limitar-se a que, nos actos eleitorais, deixemos de apenas pôr uma cruzinha num dos partidos concorrentes e possamos também expressar preferências por uns candidatos em detrimento de outros, dentro da lista partidária em que votamos. De facto, este tipo de "voto preferencial" não resolve tudo. Aliás, por si só, talvez não resolva nem altere nada de fundamental.
O problema maior é que não basta personalizar o voto dos eleitores, fazendo-o recair em personalidades e não só em partidos. É também necessário personalizar o voto dos deputados, fazendo-o recair sobre as opções que realmente defendem em consciência e não sobre as que lhes são impostas pelas respectivas direcções parlamentares, estas por sua vez controladas pelos directórios partidários sem pejo nem grandes subtilezas.
De que serve afinal escolher entre um deputado e outro, dentro da mesma lista partidária, se o voto de qualquer deles nas sessões parlamentares for depois determinado de fora pela mesma estrutura de poder, no partido a que pertencem? Estaremos afinal a escolher o quê? Que tipo de preferência estaremos a demonstrar? Que preferimos a oratória de um à de outro candidato? Que apreciamos mais a figura e o estilo deste ou daquele? É curto, muito curto.
De pouco ou nada vale personalizar o voto dos eleitores sem personalizar também o dos eleitos, de modo que estes possam expressar e defender livremente as suas convicções nos debates e nas votações parlamentares, sem terem de recear depois represálias estatutárias por parte dos seus dirigentes partidários. E não vejo senão duas maneiras de o conseguir: acabar de vez com a disciplina de voto (ou, numa primeira fase, limitá-la a certas questões ideológicas consideradas essenciais) e fazer depender as nomeações para as listas partidárias de uma franca concorrência interna, através de eleições "primárias", em vez da tradicional escolha ou indigitação dos candidatos pelos órgãos dirigentes nacionais ou regionais.
Voto preferencial, sim, é uma boa ideia, vale a pena repeti-lo. Mas ele deve começar logo no interior das estruturas partidárias, quando se tratar de escolher, por eleição, os candidatos aos actos eleitorais extra-partidários. Sem isso, haverá apenas fumo sem fogo.
Máxima: uma maior democratização do sistema político deve começar, de preferência, dentro dos próprios partidos, que são hoje o sector menos democrático do sistema.