terça-feira, 15 de abril de 2008

Uma profissão solitária

Há muitas profissões que se desenrolam à vista de chefes e colegas, permanentemente expostas à observação e ao escrutínio de quem pode orientá-las, dirigi-las, criticá las e, por fim, avaliá-las. Nelas, o desempenho de cada um não é coisa reservada, não há como escondê-lo ou camuflá-lo perante o olhar dos pares e dos superiores hierárquicos. Não há privacidade nesse desempenho.
Noutras, a avaliação do desempenho pode fazer-se em grande parte por rigorosos critérios objectivos, estandardizados, quantificáveis: níveis de produção, resultados de vendas, percentagens no controle de qualidade, incrementos da produtividade, redução dos custos, lucros líquidos, quotas de mercado, volume de clientes ou de transacções. Pode pensar-se o que se quiser, os números aí estão para confirmar ou desmentir.
Outras, porém, são profissões solitárias. Não porque se desenrolem inteiramente à margem dos olhares e juízos alheios, mas porque quem vê e ajuíza sobre a porção visível não tem supostamente a isenção e a preparação necessárias para julgar. É o caso dos professores.
Boa parte do seu trabalho é de carácter reservado: o estudo prévio das matérias a leccionar, a esquematização das aulas, a preparação dos materiais didácticos, a concepção dos instrumentos de avaliação dos alunos, tudo isso é feito na intimidade de uma mesa de trabalho, em casa ou seja onde for, longe do olhar dos colegas e dos directores, e até mesmo dos destinatários.
Outra parte é de carácter colectivo e, portanto, não responsabiliza individualmente ninguém: a planificação da execução dos programas, as normas internas de avaliação, a aprovação de matrizes para exames, o plano anual de actividades extracurriculares, tudo isso resulta de deliberações de cada departamento específico ou dos outros órgãos pedagógicos da escola. Cada professor aí apenas opina, sugere, critica, regista e, quando for o caso, vota.
Mas o essencial da docência, o seu núcleo duro, é dar aulas. Durante mais de meio milhar de horas em cada ano lectivo, o professor está apenas exposto aos seus alunos, sujeito aos ventos instáveis do interesse e da atenção daqueles, confrontado com muitos desafios personalizados e individualismos de motivação, disciplina, capacidade, empenho, preparação prévia e sedimentação de conteúdos. Está condenado a dirigir-se à média intelectual de cada turma ou, na pior das hipóteses, ao seu menor denominador comum. Tem que ajustar os seus planos e intenções iniciais às características próprias dos alunos com que se defronta em cada bloco lectivo. É obrigado a adaptar, a improvisar, a fazer o que a dinâmica de cada aula exige, e não há verdadeiramente nenhuma igual a outra, porque a contínua variação das matérias e a alternância das turmas tende a estilhaçar as rotinas.
Não sendo justo nem razoável que um professor seja avaliado pelos resultados obtidos pelos seus alunos, visto que não é responsável pela qualidade das turmas que lhe atribuem, será suficiente um dos seus pares assistir-lhe a umas quantas aulas, correspondentes a menos de 1% do seu desempenho lectivo ao longo de um ano inteiro, para avaliar grosso modo a qualidade intrínseca do seu trabalho? Ou não será isto resvalar para o aleatório, para o superficial, quase para o arbitrário?