domingo, 4 de setembro de 2005

A questão da nacionalidade

Afirmar que quem nasce em território português tem direito automático à nacionalidade portuguesa significa – nada mais, nada menos – confundir os conceitos de naturalidade e de nacionalidade.

A questão é esta: o facto de nascer em determinado território é quanto basta para pertencer a uma determinada nação? Não é necessário desenvolver um sentimento pessoal de pertença? Não é necessário partilhar os valores e os símbolos básicos dessa nação? Não é necessário tornar-se ou sentir-se membro de uma determinada cultura que, de forma intuitiva ou explícita, é identificada nos seus traços essenciais como "nacional"?

Se disséssemos que nada disto é necessário, chegaríamos à absurda conclusão de que uma nação apenas se define pelo território. O sentimento de coesão de um povo, a partilha de símbolos e valores básicos, a ligação a uma certa memória histórica teriam perdido todo o significado.

Será a nacionalidade apenas isso, a consequência a aleatória de se ter nascido em determinado local? Se chegámos a esse ponto, a nacionalidade portuguesa acabou e andamos todos equivocados. Venham daí os espanhóis e fiquem com isto de vez.

Pela minha parte, vejo as coisas de outro modo: nascemos no seio de determinada familia e são as ligações afectivas que nela desenvolvemos, a língua e os valores que nela aprendemos, as regras de conduta que nos são ensinadas, os valores fundamentais que nos são transmitidos e a memória histórica que nos é desvendada que formam gradualmente o nosso sentimento de pertença (ou seja, a nossa nacionalidade). A escola reforça e complementa esta impregnação cultural, mas não a substitui e é raro que se lhe sobreponha. Em caso de conflito, a influência familiar e étnica predomina sobre a influência escolar e comunitária.

Quem nasce no seio de uma família portuguesa, mesmo no estrangeiro, irá ser impregnado de traços culturais portugueses – e não indianos, chineses ou quimbundos. As influências locais, quando divergentes das familiares, ajudarão quando muito a constituir uma identidade mista. Ser-se-á então luso-qualquer-coisa. O que se passa numa família estrangeira em Portugal, ou ex-estrangeira porque naturalizada, será um caso diferente? Se as ligações familiares e étnicas tendem a ser mais fortes, o mais que se poderá esperar é produzir mestiços culturais.

Vem daí algum mal ao mundo? Depende da percentagem e do impacto. Ter quatro ou cinco por cento de mestiçagem cultural não é o mesmo que ter dez ou vinte por cento. E o impacto sociológico de uma certa percentagem de hibridismo não é idêntico para todas as origens e proveniências. Toda a gente de bom senso sabe isso.

Pior ainda é que o conceito de mestiçagem não evidencia qual a influência cultural predominante. Mas basta assistir a certos jogos internacionais de futebol e ver o nosso hino assobiado, a nossa bandeira nacional cuspida e reparar por quem torcem os vários sectores da assistência para se perceber quem é português e quem é estrangeiro, mesmo que naturalizado.

A concessão da nacionalidade não altera automaticamente o sentimento nacional originário e as fidelidades étnicas de quem a recebe, mesmo que atribuída à nascença. Cuidado com tais equívocos.