quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O IVA social

A nova coqueluche dos regimes fiscais na Europa, já experimentada com resultados encorajadores pelos alemães, é o chamado "IVA social". Basicamente, ele consiste no financiamento da protecção social através de um acréscimo do imposto indirecto sobre as transacções, libertando os assalariados e as empresas, no todo ou parte, do pesado encargo contributivo que hoje suportam.

O sistema parece funcionar tão bem que até o novo presidente francês fez dele um dos temas fortes da sua campanha eleitoral e do seu programa governativo, prometendo tentar aliciar os restantes parceiros europeus a aderir a ele.

As vantagens parecem evidentes. A abrangência do IVA é muito superior à das contribuições sociais, pois incide sobre todos os factores produtivos incorporados no preço de venda dos bens e serviços (e não apenas sobre trabalho prestado no próprio país) e sobre todas as transacções (independentemente do grau de incorporação do trabalho nacional nos bens e serviços transaccionados). Além disso, permite taxar as importações e exonerar as exportações, fazendo aquelas contribuir também para o sistema de segurança social e contrabalançando em parte os efeitos do dumping monetário, fiscal, ecológico e social praticado por muitos países emergentes (os quais conseguem manter preços mais baixos porque as respectivas empresas beneficiam de uma moeda artificialmente desvalorizada, pagam impostos ridículos, quase não têm de respeitar normas anti-poluição e não fazem descontos para um sistema de protecção social).

Na prática, diminuindo o custo do trabalho interno, o "IVA social" permite atenuar o impacto negativo da actual sobrevalorização do euro nas exportações e tem o mesmo efeito prático que uma desvalorização da moeda europeia. Claro que, ao taxar as importações, produz um aumento dos preços dos produtos importados, mas esse é também um dos efeitos pretendidos para proteger o emprego local. Se os produtos estrangeiros se tornam menos competitivos, os produtores e os trabalhadores nacionais beneficiam. Quanto aos produtos locais, é de esperar que o acréscimo da taxa do imposto seja compensado, no seu efeito sobre os preços finais, pelo decréscimo ou eliminação das contribuições directas para a segurança social que pesam sobre os salários e as entidades patronais. Espera-se até que seja mais do que compensado, visto que as importações passam a contribuir também para o mesmo fim e permitem um alívio adicional a empresas e assalariados.

O "IVA social" actua portanto como um doping sobre a competitividade nacional, de carácter não directamente proteccionista, e ao aligeirar a carga fixa que pesa sobre a remuneração do trabalho, permite também amortecer as flutuações do emprego quando a conjuntura se degrada. Em circunstâncias normais, constitui ainda um factor de maior competitividade para as empresas baseadas em trabalho intensivo.

À primeira vista, são só vantagens. Para nós, portugueses, que temos uma aptidão especial para criar más imitações de tudo o que se inova lá fora, o que se pode razoavelmente esperar é que algum governo habilidoso se aproveite da nova tendência para, a coberto dela, agravar ainda mais o peso global das contribuições e impostos.