quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Sobre o ensino da filosofia nas escolas - II

Nesta recente polémica, suscitada pelas informações ainda não confirmadas de que a filosofia, no ensino secundário, passará a ser disciplina optativa e dispensada de exame final, mesmo para efeitos de ingresso em cursos universitários das áreas de ciências humanas, a resistência à mudança promete ser acalorada.

No entanto, vários argumentos aduzidos por uma certa lógica corporativa das coisas soam irremediavelmente a falso. Embora os professores em geral reconheçam a importância genérica da disciplina, ou mesmo enfatizem a sua indispensabilidade para certas áreas de estudos, será razoável dizer-se que a filosofia, tal como é tradicionalmente acolhida nos currículos e ensinada nas escolas secundárias, fica muito aquém das expectativas que lhe são atribuídas e não cumpre satisfatoriamente a sua vocação pedagógica, porque os seus conteúdos são, em larga medida, obsoletos.

Não é convincente dizer-se que ajuda a pensar ou que permite a formação de uma visão do mundo, pois nem os temas abordados nem os métodos mais adoptados contribuem verdadeiramente para isso, a não ser por mérito próprio de docentes talentosos. Que ajuda a fazer análises e sínteses, isso aceita-se, mas não é privilégio nem exclusivo seu. Que seja uma ginástica intelectual, é façanha que pode partilhar com outras disciplinas do currículo. Nada disso, portanto, a torna indispensável.

Mas não é menos verdade dizer-se que, se a filosofia escolar sofresse a profunda reforma de que necessita há décadas, ela se tornaria uma disciplina dificilmente prescindível e, muito provavelmente, merecedora da obrigatoriedade que muitos docentes desejam ver mantida a todo o custo. Há razões de muitas espécies, desde pedagógicas a epistemológicas, que poderiam recomendar ou justificar essa pretensão, ainda que tal se afigure missão impossível no actual estado de coisas. E uma delas, importante entre todas, é que, como salientou António Damásio numa recente entrevista, o ensino das ciências não forma cidadãos. E podemos acrescentar: nem o das línguas. E certas modernices curriculares, pelos vistos, também não. E a educação tecnológica ou as aplicações informáticas, ainda menos.

Porém, seria extremamente simplista pensar que a justificação do ensino da filosofia no secundário é meramente cívica. Não é. Há várias outras. Os pedagogos conhecem-nas de sobra.

Mas seria já exagerado que a filosofia não aceitasse partilhar a sua vocação pedagógica e cívica com outras disciplinas afins. A meu ver, justifica-se plenamente a inclusão no secundário de uma trilogia obrigatória para todos: psicologia, filosofia e economia. Um ano para cada uma, nesta mesma sequência. Com conteúdos actualizados e pragmáticos, conceitos claros, visão abrangente e pluralismo teórico. O que implica também uma iniciação intencional às polémicas em vigor nos respectivos domínios. Isso sim, ajudaria os jovens a pensar e a formar uma visão do mundo, além de proporcionar outros préstimos mais específicos.