terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A filosofia da representação política

Já me pareceu uma falsa questão discutir se deve ou não haver uma mudança substancial de filosofia da representação política, no sentido de passar a dar-se mais importância e saliência aos candidatos do que aos partidos. Agora não. Parece-me que o assunto tem cada vez mais pertinência.
Dantes, os partidos forneciam-nos uma espécie de enquadramento doutrinário, estavam para a política como os pontos cardeais para a navegação. Podíamos não conhecer em pormenor os seus objectivos ou programas, mas eles representavam para nós pontos de referência ideológicos, tendências mais ou menos demarcadas e confiáveis. Isso acabou. A ideologia perdeu importância e consistência, sofreu erosões diversas, diluiu-se ou descaracterizou-se no vendaval de questões técnicas e pragmáticas que assolam a governação moderna.
A confusão reinante é tal que já ninguém arrisca pôr a cabeça no cepo quando se trata de associar um determinado partido a certas políticas práticas, ou sequer a certas orientações de fundo, pelo menos no leque cada vez mais restrito dos partidos realmente vocacionados para disputar o poder governativo. Já quase ninguém sabe muito bem quem representa o quê e como, e as surpresas e decepções pós eleitorais sucedem-se a um ritmo preocupante. Talvez por isso mesmo, ou também por isso, são cada vez mais os eleitores que não sabem mais em quem votar.
Para bem da democracia, sem dúvida que seria desejável que os partidos voltassem a assumir explicitamente os seus valores, ideais, programas e objectivos de médio prazo. Mas, na verdade, o terreno tem-se mostrado fértil sobretudo para a camuflagem, a hipocrisia, a mentira, o oportunismo e a pilhagem. O país avança e recua aos solavancos, mas raios me partam se a maioria sabe ao certo para onde o levam ou o que dele se quer.
O Partido Socialista ainda dá por esse nome, mas pôs o socialismo na gaveta há tanto tempo que já nem se lembra onde o guardou. O Partido Social-Democrata, se alguma vez o foi realmente, tornou-se entretanto uma psicadélica manta de retalhos, uma espécie de "patchwork" doutrinário. O próprio Partido Popular, que já foi orgulhosamente democrata cristão, mandou a democracia cristã às urtigas e entregou-se ainda mais devotamente aos jogos de poder e de conveniência. O Bloco de Esquerda é apenas um variegado grupo de gente que consegue a proeza louvável de conseguir estar em sintonia só quando se trata de praticar a maledicência e o bota abaixismo contra tudo o que mexe à sua direita e à sua esquerda. E o Partido Comunista mantém se rigidamente fiel a ortodoxias que já não têm lugar nem razão de ser no mundo de hoje, e muito menos no de amanhã, sendo certo que até os próprios militantes, na sua maioria, já realizaram o milagre de perceber isso.
Se os partidos tradicionais já representam tão pouco, e afinal quase nada do que era suposto, mais vale questionar se o sistema eleitoral não deveria viabilizar alternativas, e quais.