terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A questão da governabilidade

Sempre que se fala na abolição ou proibição da "disciplina de voto" partidária, ainda que como mera hipótese remota, sempre alguém agita o fantasma da ingovernabilidade do país. Como se um governo desprovido de uma maioria parlamentar estável e permanente, fielmente arregimentada, ficasse incapacitado para gerir ou reformar o que quer que fosse.
Este tipo de receio vem sempre pressurosamente ao de cima, em geral apoiado em fraca argumentação, e não poucas vezes suportado por argumentação nenhuma, como se a coisa fosse evidente por si mesma. Irão perdoar-me, mas não é.
Antes de mais, o receio da ingovernabilidade do país não pode ser justamente invocado pelos partidos da oposição, pois esses, por definição, não governam. O seu problema será outro: manter sob controlo as hostes partidárias e, em particular, os seus deputados e autarcas. Nos partidos nunca há homogeneidade, como se sabe, mas sempre gostam de se comportar como se houvesse, para inglês ver. Brigas só à porta fechada (sem prejuízo de uma guerrilha feia e discreta cá fora), que é para os adversários não se porem a presumir fragilidades.
Quanto aos partidos que realmente governam, não são impedidos de o fazer por "maiorias flutuantes" nas votações parlamentares (há quem prefira chamar-lhes "maiorias instáveis", mas é sobretudo uma questão de semântica). Desde logo, porque há uma vastíssima área da governação que é da competência exclusiva do Governo e não carece, portanto, de aprovação ou apoio parlamentares. E nas áreas que não são da sua competência exclusiva, não é suposto que o Governo tenha de levar sempre a melhor, senão não faria diferença absolutamente nenhuma que o fossem também.
A intenção de criar áreas de decisão que são da competência do Parlamento é precisamente a de limitar os poderes arbitrários do Governo, sujeitando-o à necessidade de autorizações legislativas, apoios políticos explícitos, consensos alargados, fiscalização do poder executivo pelo legislativo. Tudo isto é subvertido quando, por força da submissão partidária, os grupos e as comissões parlamentares se tornam meras correias de transmissão dos estados-maiores dos partidos, deixando de cumprir criteriosamente a sua função de filtro político e técnico dos projectos de lei.
É a pura verdade: quando não há maiorias parlamentares arregimentadas, os governos não conseguem fazer passar tudo o que querem. Chama-se a isso limitação de poderes. E se quiserem obter aprovação para os seus projectos legislativos, terão de caprichar mais na qualidade e justiça deles. Não vejo aí nenhum mal.
O problema que sobra, e esse é o verdadeiro problema, é o das moções de censura que podem fazer cair o Governo. Mas se não se quiser que este fique vulnerável a maiorias flutuantes ou instáveis, nem tão-pouco refém de chantagens conjunturais, basta subir a fasquia da estabilidade e exigir uma certa maioria qualificada para que uma moção de censura possa causar a queda do Executivo. Nada mais simples.
A governabilidade tem pois solução fácil, mesmo sem disciplina de voto.