terça-feira, 14 de dezembro de 2004

Os políticos e os «média»

A relação entre os políticos e os media pode ser sujeita a duas fortes críticas. Uma delas tem sido frequentemente feita, a outra parece estar ainda à espera de vez.

A crítica conhecida aponta para a submersão da política no mundo do espectáculo.
Diz-se ─ e é verdade ─ que as principais qualidades políticas passaram a ser as qualidades mediáticas, pelo que contam cada vez mais a imagem e o estilo e cada vez menos as ideias, as causas e os projectos.

A reflexão com horizontes passou a ser substituída pela vivência do momento. E as circunstâncias tornaram-se um mero cenário onde a actuação visível dos políticos coloca a lógica do artifício acima da lógica das convicções.

Se o que prevalece é a imagem, isso implica que a distinção crucial passou a ser entre as pessoas mediáticas e as não mediáticas. Ora o mediatismo jornalístico tende a colocar o concreto acima do abstracto, o particular acima do geral, o imediato acima das visões a prazo, a superficialidade acima da estratégia. É o terreno de cultura adequado para os que perseguem objectivos simples e demagógicos, mas não para os que defendem valores e causas consistentes. É o paraíso dos que se movimentam com à‑vontade em trajectórias sinuosas, ao sabor dos ventos e brisas da opinião pública, mas o purgatório dos que propõem rumos firmes.

Estas tendências do gosto mediático influenciam certamente o grau de sucesso ou insucesso dos políticos encartados. Quem tem opiniões sem brilho é facilmente suplantado por quem brilha sem opiniões. Quem consegue juntar ambas as coisas, mesmo que as opiniões sejam alheias e em formato pré-cozinhado por um staff de assessores, candidata-se naturalmente à primazia. São estas as regras do jogo. Mas pouco importa que as opiniões despendidas sejam profundas ou superficiais, conhecedoras ou aventureiras, razoáveis ou delirantes, porque a maioria do público é sempre consideravelmente ignorante do que se discute (refiro-me a fundamentos, não a factos) e a comunicação social não as filtra pela qualidade, mas pelo alarido ou pela pretensa representatividade.

A segunda crítica à mediatização crescente da política não é certamente original, mas não logrou ainda adquirir mais do que um relevo secundário. Refiro-me ao modo como os media condicionam o acesso à ribalta, quer dos políticos e das organizações, quer das opiniões e das doutrinas.

A superabundância de informação dilui a importância das novas ideias, assim como a busca deliberada do sensacionalismo diminui a urgência das coisas essenciais. As questões decisivas onde se joga o nosso futuro colectivo são secundarizadas em relação ao que faz mexer as vendas e as audiências. E a grandiloquência barroca e repetitiva dos vultos conhecidos ofusca as opiniões inovadoras de quem apenas consegue mover-se nos obscuros bastidores da cena política. Não por acaso, as irrelevâncias e os simples deslizes das figuras públicas são mais avidamente perseguidos e granjeiam mais destaque do que as propostas mais substanciais das personalidades de segunda linha. Longe de contrariar esta tendência, os meios de comunicação social fomentam‑na.

Numa época em que os grandes debates já não se travam nas secções ou nos congressos partidários, reduzidos a meros palcos de movimentações de poder e de influências, nem nos hemiciclos parlamentares, convertidos em locais anódinos onde são oficiados os dogmas e as praxes das diversas liturgias ideológicas, restam os meios de comunicação social para confrontar o país com as várias perspectivas do seu destino.
Contudo, a televisão não é o meio mais adequado para o debate público de ideias, dada a tirania da imagem e a tentação dos protagonismos partidários, ambas somadas à habitual falta de disciplina cívica e argumentativa dos participantes. Resta a imprensa. Mas esta, e sobretudo nos jornais de referência, encontra-se em grande parte colonizada pelos jornalistas profissionais e por um escol de analistas e comentadores que adquiriram “direitos de coutada” e, mal ou bem, os exercem obrigando-se a ter opiniões próprias com uma periodicidade previamente estabelecida. Assim, o profissionalismo e o amadorismo por contrato substituem o pulsar espontâneo da sociedade. São eles que condicionam a nossa percepção daquilo que nos rodeia e que decidem o que e quem merece sair do anonimato.

Paradoxalmente, os media fazem não só o que se espera deles, mas também o seu contrário. Não se diga que se limitam a informar, porque tal é falso. Eles lutam subtilmente para impor hegemonias políticas, reescrevem a História, metamorfoseiam o quotidiano, tornam-se a própria memória social, decidem a importância dos factos e dos boatos, seleccionam as opiniões, fazem julgamentos públicos, invadem a privacidade, constroem as “verdades”, criam e manipulam estereótipos e estabelecem a seu bel‑prazer a hierarquia de interesse das coisas, assim como montam e desfazem acontecimentos.

Na arena política, isto significa que quem não consegue forçar a passagem e tornar-se uma figura mediática, independentemente dos seus méritos, não existe politicamente. E ponto final.