segunda-feira, 13 de dezembro de 2004

A renovação da classe política

Há muita gente que ainda não compreendeu bem o problema. Ou melhor: acertou numa parte do diagnóstico, mas continua a não reparar na inconsistência das soluções propostas.

Que os partidos estão fechados sobre si próprios, que as suas elites estão mais ou menos reduzidas a um núcleo duro profissionalizado, que existem barreiras à entrada ou ascensão de novos protagonistas, isso tem sido dito repetidamente e corresponde à verdade. Necessariamente, tal situação conduz a um anquilosamento das estruturas partidárias e da sua capacidade de renovação política, não obstante a dança das lideranças e dos seus séquitos.

Mas supor que o problema se resolve com apelos cívicos é de uma enorme candura. Não basta pedir que os partidos se abram a políticos não profissionais, que tentem atrair um número maior de independentes ou que, para o preenchimento de lugares ou candidaturas, alarguem o seu recrutamento para fora do núcleo duro profissionalizado. A grande questão é que as oligarquias instaladas (ou já com esperanças de instalar-se) não estão interessadas nisso. Absolutamente nada.

A última coisa de que os políticos profissionais querem ouvir falar é de nova concorrência que venha disputar-lhes os lugares alcançados ou cobiçados. É por isso que os partidos não se abrem à sociedade civil, que não se esforçam por recrutar novos valores, que asfixiam as próprias tentativas de transformação interna. É também por isso que o debate político quase desapareceu do funcionamento partidário, sendo substituído por episódicas litanias de apoio à claque dirigente e às suas pretensões. A própria contestação interna é abafada sempre que possível e em regra considerada uma traição quando tornada pública ou alardeada do exterior.

Os partidos políticos são hoje hostes profissionais de assalto aos cargos públicos e o seu quadro permanente de oficiais já está preenchido. Novos recrutas só se pretendem para os lugares do fundo da hierarquia, desprendidos de ambições ou suficientemente pacientes para saberem aguardar a sua vez.

Fora dos partidos, consegue medrar alguma preocupação com a renovação da classe política; dentro deles, falar nisso é quase uma blasfémia, pelo menos quando soa aos ouvidos de quaisquer estruturas dirigentes. Há excepções, claro. Mas essas mantêm‑se discretas.

É pois ilusório pensar que algum dia irão chover convites sobre as pessoas competentes da sociedade civil ou que haverá a preocupação sistemática de as atrair. Na óptica dos dirigentes partidários, gente que pensa pela sua cabeça é uma ameaça. E que algum dia se estabeleça um qualquer sistema de cotas para políticos não profissionais, conforme já foi proposto, é francamente duvidoso. Se vier a acontecer, a sua expressão será tão limitada e inócua que facilmente nela se reconhecerá o contorno demagógico de uma mera operação de maquilhagem do enquistamento partidário.

O que falta nos partidos políticos é mais democracia interna. Ou seja: regras que melhorem a concorrência lá dentro. E sobretudo, acabar com as designações para candidaturas a cargos electivos e substituí-las pelo resultado de um sufrágio interno. Permitir que a ascensão de pessoas e ideias possa sempre resultar da discussão e do voto e não dependa de cooptação dos maiorais já instalados.

A lei deve interferir sem pejo na orgânica geral dos partidos e impor-lhes uma maior democraticidade interna, tão essencial à concorrência das ideias e dos projectos como à renovação das elites.

Estamos mal servidos de políticos, reconheça-se, porque também estamos mal servidos de democracia na esfera interna dos partidos.