sábado, 29 de setembro de 2007

Em prol da qualidade da democracia

Para evitar os desmandos e as desvergonhas a que se tem assistido nas contendas eleitorais internas dos partidos políticos, é necessário que o Estado intervenha como entidade reguladora e fiscalizadora.
Desde logo, através de uma legislação clara que moralize e discipline a organização e o funcionamento dos partidos, garantindo neles o fair-play e a democraticidade interna. E se necessário, dando poderes alargados de fiscalização às magistraturas locais, à Comissão Nacional de Eleições e ao Tribunal Constitucional, estendendo a respectiva jurisdição bem para o interior da actividade partidária. É muito o que está em causa e que o justifica.
É preciso acabar com as fraudes eleitorais, com os clientelismos, com o açambarcamento abusivo do poder pelos aparelhos partidários já instalados e engenhosamente barricados atrás de obstruções estatutárias, barreiras à entrada de novos membros, acessos exclusivos às informações pessoais e aos contactos dos militantes, regulamentos feitos à medida e uma intrincada teia de privilégios, inerências e exclusivismos.
Não é só entre os partidos que é necessário garantir a livre concorrência de pessoas, ideias e tendências. É também necessário garanti-la no interior deles.
É preciso assegurar que todos os protagonistas e seus projectos possam concorrer em igualdade de condições e oportunidades, sem se confrontarem com barreiras ardilosas e artificiais.
É preciso que a escolha dos candidatos a deputados e autarcas seja feita através de eleições internas nos respectivos círculos e não através do método da simples designação pelos directórios nacionais. Os partidos políticos são a primeira instância da democracia.
É preciso que os deputados deixem de dever subserviência às direcções partidárias de que dependeu a sua candidatura anterior e de que dependerá a seguinte.
E é preciso abolir a disciplina de voto, sem o que nunca haverá verdadeira fiscalização do poder executivo pelo poder legislativo.
Em tudo isto, é a credibilidade dos próprios partidos políticos que está em jogo, num regime cuja lógica assenta na alternância entre eles.
Através dos partidos, é a qualidade (e portanto, a credibilidade) da democracia que está em jogo, bem como o gosto dos cidadãos pela participação política e a possibilidade de aceder a ela.
Através da qualidade da democracia, são as grandes opções colectivas e a nossa qualidade de vida individual que estão em jogo.
O encadeamento pode ser subtil e pode não ser evidente para todos, mas umas coisas conduzem às outras. Portanto, não é sensato afirmar-se que os assuntos internos dos partidos só a eles dizem respeito.
Se a nossa democracia é de tipo representativo, poderá alguma vez ser irrelevante o modo de escolha dos nossos representantes, nos seus vários escalões, ou o seu grau de autonomia em relação a interesses e pressões, a baronatos e caudilhismos, a lideranças prepotentes e suas correias de transmissão?
O poder democrático começa em baixo. A fiscalização dele deve começar aí também.