quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Falhas estruturais

Todos sabemos que o país atravessa, desde há longo tempo, uma enorme crise de confiança em si mesmo. Não é uma crise de identidade, não é ausência de ambições, não é descrédito nas nossas capacidades para competir com o estrangeiro. É um desencanto total e absoluto com o desempenho das sucessivas lideranças políticas, no que respeita a imprimir um rumo às nossas expectativas e aos nossos objectivos enquanto povo: aproximarmo-nos cada vez mais do pelotão da frente das nações desenvolvidas.

Há factores que são exógenos, mas que não pesam demasiado nas nossas avaliações pessimistas porque não nos afectam unicamente a nós: uma moeda europeia sobrevalorizada, que dificulta as exportações e atormenta as empresas para elas vocacionadas; a competição desleal de vários países emergentes, alavancada por uma política deliberada de dumping social, monetário e fiscal; e o fraco crescimento económico da Europa como um todo, sujeita ao espartilho das obsessões anti-inflacionistas.

Há outros, porém, que são endógenos e persistentes e que só podemos censurar a nós próprios, como a estruturação deficiente do sistema político, a resistência arreigada à flexibilização das leis laborais, a deficiente produtividade do trabalho, o clima de corrupção discreta mas quase generalizada, o défice de lealdade e de confiança interpessoal (algo que faz parte daquilo a que os economistas chamam o "capital social"), a escassez de espírito cívico e de iniciativa empresarial, a ausência de uma cultura de empreendedorismo, as deficiências dos transportes e a anarquia do trânsito, a imigração não selectiva, a excessiva carga fiscal e contributiva, a ineficiência e o espírito perdulário do Estado, a incúria do património histórico e ambiental, a falta de responsabilidade social de políticos e empresários, a ausência de uma visão estratégica para o país e, acima de tudo, a nossa crónica incapacidade de reformar o sistema educativo, tornando-o moderno e eficiente. Talvez a lista não esteja completa, mas já vai extensa.

Porém, a falta de confiança do país em si próprio não resulta da existência de todos estes pecadilho sociais, mas da incredulidade em poder pôr-lhes cobro progressivamente através da actuação competente e enérgica da chamada "classe política". Por outras palavras, o país não confia nos políticos que elege. E tem bons motivos para isso.

Há razões históricas e sociais que favorecem entre nós a proliferação da "baixa política". Mas as tradições não explicam tudo. Há que saber olhar para as falhas estruturais das próprias instituições e da arquitectura jurídico-constitucional em que se apoiam. Mais do que tudo o resto, porque o resto em boa parte depende disso, o aperfeiçoamento do nosso sistema político deveria estar constantemente na ordem do dia. E não está.